Com
o texto que se segue, pretende-se apresentar uma breve reflexão acerca da
situação de desemprego, ao mesmo tempo que se apresentarão alguns dados até
2014 que merecem reflexão uma vez que esta situação afeta milhares de cidadãos.
O
desemprego é um fenómeno que tem sofrido alterações ao longo de várias décadas,
sobretudo na importância social que representa, apresentando diversas
consequências e não apenas consequências económicas. É um conceito que tem
vindo a sofrer transformações no que se refere ao seu conteúdo, forma e
significado. Se em outra época estar desempregado não seria significado de
exclusão social, atualmente será, certamente, visto e sentido como tal uma vez
que a situação de desempregado não é simplesmente estar desocupado ou privado
de emprego.
A
situação de desemprego é entendida como um rótulo crucial para o prestígio de
um indivíduo, assim como acaba por nos dizer bastante acerca da sociedade em
que vivemos e do tipo de indivíduos que se encontram estigmatizados por essa
situação (Grint, 2002). Representa, conforme referido por Marques (2009), o
sinal mais visível da disfuncionalidade do mercado de trabalho assim como pode
representar a rutura de trajetórias profissionais e de vida. Pode, no limite,
representar o sinal mais visível de dissociação social, uma vez que a “rutura
do laço social é o resultado de um encadeamento ou de uma combinação de
acontecimentos” (Clavel, 2004: 163). Portanto, estar desempregado provoca uma
situação de fragilidade que corresponderá à aprendizagem da desqualificação
social, isto porque
“o
desemprego, as desigualdades de inserção profissional, a perda brutal de um
alojamento ou o facto de residir num bairro degradado e socialmente
desqualificado constituem provações socialmente dolorosas.” (Paugam, 2003:
p.15).
As
pessoas que passam por este tipo de provação, sentem-se desclassificadas, numa
situação socialmente inferior àquela que conheceram anteriormente. “O desemprego
é vivido como uma experiência humilhante por aqueles que sempre exerceram um
emprego estável.” (Paugam, 2003: 15) Surgem, cada vez mais, novos focos de
tensão que têm origem nas novas desigualdades sociais, nos novos interesses
definidos por novos movimentos sociais e por novos processos de exclusão social
(Nunes, 2004). Portanto, as sociedades contemporâneas passam a apresentar novos
riscos para a democracia e cidadania e não apenas ameaças irreversíveis ao ser
vivo em geral. Esta nova descrição corresponde àquilo que os países ocidentais
foram confrontados e que vulgarmente chamam de nova pobreza (idem).
Este
fenómeno remete para evoluções que se deram em simultâneo, principalmente em
relação à degradação do mercado de trabalho com a notável multiplicação de
empregos cada vez mais instáveis e ao crescimento forte de desemprego, e em
relação ao enfraquecimento dos laços sociais, cujos sintomas são o aumento das
ruturas conjugais e o declínio das solidariedades de classe e de proximidade.
Com a chegada de longa duração do desemprego, acompanhada por um afastamento da
vida social, provocada pelas crises de identidade, problemas de saúde, entre
outros exemplos, as pessoas sentem-se sem saídas e procuram, muitas vezes
contra sua vontade, apoios da ação social para obter ajudas financeiras
(Paugam, 2003). Neste sentido, acentuam-se as desigualdades sociais.
Como
consequência, acontecem formas de exclusão social sentidas pela maior parte dos
indivíduos desempregados, como “a parte que emerge do icebergue societal à
deriva” (Clavel, 2004: 177). Para além destes factos, associado ao desemprego
há, em muitos casos, o sentimento de fracasso quando o mesmo se dá por
despedimento. Ou seja, passa a recair sobre o próprio indivíduo a
responsabilidade pelo próprio sucesso no que se refere à sua integração no
mercado de trabalho, assim como uma possível situação de desemprego.
Parafraseando Bordieu, o indivíduo passa a ser apontado como “o único
responsável pela sua desgraça” (Bordieu, 1998: 10).
Evolução do desemprego em Portugal
e Europa
Ao
longo dos últimos anos, a taxa de desemprego tem vindo aumentar progressiva e
significativamente. Nos últimos 20 anos, conforme se pode verificar na
ilustração abaixo, Portugal passou de uma taxa de desemprego de 7,6%, em 1983,
para uma taxa de 16,3%, em 2013.
Figura 1 – Evolução do
Desemprego nos últimos 20 anos
Fonte: Pordata (2014)
De
acordo com o relatório para o desemprego do Ministério das Finanças, Economia e
Emprego e Ministério da Solidariedade e Segurança Social (2012), este aumento
da taxa de desemprego está associado ao fraco crescimento económico e à
desaceleração da produtividade, refletindo assim os desequilíbrios da nossa
economia. Esta desaceleração da produtividade fez com que as empresas não
possuíssem capacidade de absorver toda a mão-de-obra disponível, levando a
despedimentos (Rajado, 2012). Aliado a isto, também houve uma deslocalização
das empresas para outros países onde a mão-de obra é mais barata, como é o caso
da China, também este processo implicou vários despedimentos, culminando mesmo
no fim de laboração de várias empresas em Portugal (Rajado, 2012).
No
que diz respeito ao grupo etário com taxa de desemprego mais elevada é
percetível que esta se concentra nos jovens, uma vez que, de acordo com o INE
(2014), no primeiro trimestre de 2014 o grupo etário dos 15 aos 24 anos
concentra uma taxa de desemprego de 37,5%. É ainda de salientar que para o
mesmo período de observação, primeiro trimestre de 2014, relativamente à
escolaridade a taxa de desemprego é mais elevada em indivíduos com p 3º ciclo
completo (17,9%). Importa ainda referir, que apesar de neste período de
observação a taxa de desemprego em quem tem formação superior (10,8%) ser a
menor taxa de desemprego por nível de escolaridade completo, esta taxa é
bastante alta (INE, 2014).
Relativamente
ao contexto Europeu, o crescimento do desemprego tem vindo a acentuar-se ao
longo dos últimos anos, tendo registado entre 2011 e 2013 valores nunca antes
atingidos, durante este período a Europa chegou a um nível recorde de 26,6
milhões de desempregados (Eurostat, 2014). Segundo dados recolhidos pelo
Eurostat (2014), o crescimento da taxa de desemprego tem vindo a registar-se em
praticamente todos os 28 Estados-Membros da União Europeia (UE-28), sendo a
taxa de desemprego global para UE-28 em Abril de 2014 de 11,7%. Apesar disto é
de notar que países como a Áustria e a Alemanha registam os valores, referentes
à taxa de desemprego, mais baixos da UE-28, 4,9% e 5,2% respetivamente.
No
que diz respeito às taxas de desemprego mais elevadas destacam-se países como
Espanha, como uma taxa de 25,1%, e Grécia, com 26,1% (Eurostat, Abril de 2014).
Estas elevadas taxas são também reflexo do atual contexto económico e
financeiro destes estados membros.
Figura 2 – Taxa de Desemprego EU-28
No
que diz respeito a Portugal a taxa de desemprego em Abril de 2014 era de 14,6%
(Eurostat,2014), uma taxa superior à média da UE-28, para o mesmo período de
observação. Todavia, Portugal é um dos estados membros em que a taxa de desemprego
mais baixou no último ano, tendo baixado de 17,3% (Março de 2013) para 14,8%
(Março de 2014).
Relativamente
ao desemprego jovem, no contexto Europeu, este é geralmente superior à taxa de
desemprego para qualquer outra idade, tendo sido fortemente atingido pela crise
económica que afetou a Europa. A taxa de desemprego jovem tem vindo a ascender
nos últimos anos, atingindo valores máximos no ano de 2013, com uma taxa de
23,4% (ver figura 3). Isto é reflexo das atuais dificuldades que os jovens têm para
conseguir emprego, no entanto é necessário ter também em conta que grande parte
dos jovens, faixa etária dos 15 aos 24 anos, nestas idades se encontram a
estudar a tempo integral (Eurostat, 2014).
Figura 3 – Desemprego jovem na Europa
Fonte: Eurostat (2014)
Também
se torna importante analisar a taxa de desemprego por género, já que desde
sempre as mulheres têm vindo a ser mais afetadas pelo desemprego do que os
homens. Atualmente, a tendência tem vindo a manter-se, contudo as diferenças
entre os valores das taxas de desemprego nos homens e nas mulheres são cada vez
menores. É visível através do gráfico da figura 4 que a partir de 2000 a
diferença entre a taxa de desemprego masculino e a taxa de desemprego feminina
é cada vez menor, tendo até estado bastante próximas a partir de final de 2008.
Verifica-se também que a partir de 2008 existiram períodos em que a taxa de
desemprego feminina é inferior à taxa de desemprego masculina (a partir do
segundo semestre de 2010).
Figura 4 – Desemprego por género na Europa
Fonte: Eurostat (2014)
Verifica-se
então que apesar de nos últimos anos Portugal ter atravessado um aumento
progressivo da taxa de desemprego, tendo atingido máximos históricos, a atual
tendência é de diminuição desta mesma taxa. No entanto ressalva-se ainda o
facto de esta taxa ser bastante alta e superior à taxa média de desemprego da
UE-28. É ainda importante referir o facto da taxa de desemprego feminino na
Europa e em Portugal ter vindo a diminuir ao longo dos últimos 5 anos e se ter
vindo a aproximar da taxa de desemprego masculina.
Em
forma de conclusão, gostaríamos de referir que o (des)semprego é uma construção
social que se transforma e vai evoluindo ao longo da vida e mediante cada
contexto. Como refere Sennett (2001) presenciamos a uma mudança constante da
sociedade de mercado que nem todos conseguem acompanhar e por essa razão
colocam-se constantemente em risco, muitas vezes em risco de ficar desempregado
ou de se encontrar em condições precárias no próprio local de trabalho. Esta
situação é sentida como uma necessidade por muitos e como uma obrigação por
outros. Exemplo disso é a forma como muitos jovens, à procura do primeiro
emprego e de experiência profissional para ingressar, com sucesso, no mercado
de trabalho, aceitam as contratações precárias que lhes são oferecidas, vistas
na maioria dos casos, como única alternativa em resposta à taxa de desemprego
dessa geração (23,4% no ano de 2013). Acaba-se por se exigir a flexibilização e
a aceitação por parte do trabalhador para correr riscos e se adaptar às
constantes alterações que são inseridas no mercado de trabalho,
independentemente de trazer, ou não, efeitos nefastos para o desenvolvimento da
economia, sociedade e indivíduo.
Referências Bibliográficas
BOURDIEU,
Pierre (1998). “Hoje a precariedade está em toda a parte”, in Bourdieu, Pierre, Contrafogos,
Oeiras: Celta Editora: 113-120.
CLAVEL,
Gilbert (2004), A Sociedade de Exclusão,
Compreendê-la para dela sair. Porto: Porto Editora.
GRINT, Keith, (2002), Sociologia do Trabalho. Lisboa:
Instituto Piaget.
Ministério das
Finanças, Ministério da Economia e Emprego, Ministério da Solidariedade e
Segurança Social “A evolução recente do desemprego: Relatório” (2012) [online] Disponível em:
MARQUES, Ana
Paula (2009). Trajetórias Quebradas, A
vivência do desemprego de longa duração. Santa Maria da Feira: Edições
Afrontamento.
NUNES, Maria
Helena (2004). Agência do Assistente Social, regulação e rendimento mínimo
garantido. Porto: Estratégias Criativas.
PAUGAM, Serge
(2003). A Desqualificação Social, Ensaio
sobre a nova pobreza, Porto: Porto Editora.
RODRIGUES,
Fernanda (1996). “Pobreza e Exclusão Social: Configurações e Perspectivas, a
Intervenção e Formação dos Profissionais Sociais”, in Hoven, Rudy e Nunes, Maria Helena (Org) Desenvolvimento e Acção Local. Lisboa: Fim do Século.
Outras Referências Bibliográficas
CARVALHO, Helena M.,
Licenciada em Educação Social, Mestrada em Serviço Social, Doutoranda do curso
de Sociologia, ramo da Pobreza e Exclusão Social, pelo Instituto de Ciências
Sociais (ICS) da Universidade do Minho.
SANTOS,
Carla D., Licenciada em Sociologia, Mestrada em Economia Social, Doutoranda do
curso de Sociologia, ramo do Trabalho e Organizações, pelo Instituto de
Ciências Sociais (ICS) da Universidade do Minho