“Curiosidade,
criatividade, disciplina e especialmente paixão são algumas exigências para o
desenvolvimento de um trabalho criterioso, baseado no confronto permanente
entre o desejo e a realidade.”
Mirian Goldenberg
Aspetos da Vida Sexual na Terceira Idade
- uma abordagem qualitativa e exploratória da perceção do cuidador
formal sobre a sexualidade do idoso -
No âmbito da conclusão do Mestrado em
Educação surge a vontade de proceder à realização de uma tese de dissertação,
não só por permitir desafiar e estudar temáticas muitas vezes, pouco ou nada
estudadas, como por deixar que sejamos nós próprios a fazer a interpretação dos
dados recolhidos destinados ao nosso estudo.
Um dos traços mais salientes da
sociedade portuguesa atual, comum à generalidade dos países europeus, é o
crescimento da população idosa.
Sendo a velhice, uma consequência do
aumento da esperança de vida assiste-se atualmente a um fenómeno social
denominado envelhecimento demográfico onde o crescimento da população com mais
de 65 anos de idade é uma realidade.
A imagem negativa do envelhecimento, e
mais concretamente acerca do idoso, que ainda existe, leva muitas vezes a que a
atenção seja desviada dos aspetos essenciais à sua qualidade de vida, dos quais
a sexualidade é parte integrante.
Tendo consciência de que muitos idosos
mantêm relacionamentos amorosos, interesse e capacidades sexuais até idades
muito avançadas, e que a capacidade sexual está presente no indivíduo ao longo
de toda a sua vida, inclusivamente até idades muito avançadas constatei também
que os estudos sobre a sexualidade na terceira idade e mais concretamente
acerca do papel do cuidador relativamente a esta temática são ainda muito
escassos ou quase inexistentes.
Tendo por base o anteriormente exposto,
o facto de ter estagiado e lidado com esta população e tendo em conta que o
envelhecimento deve ser visto como um problema, não só pessoal e familiar, mas
antes social, com este trabalho propus-me contribuir, de alguma forma, para um
maior conhecimento e compreensão do papel do cuidador formal no que respeita à
sexualidade do idoso.
Para a análise desta problemática,
delineei a seguinte pergunta de investigação: Será que na perceção dos
cuidadores, a respeito da sexualidade do idoso, estão presentes tanto os
aspetos amorosos como sexuais? E tracei como objetivo principal: Conhecer
a perceção do cuidador formal sobre a sexualidade do idoso.
Para a realização deste trabalho optei
por uma investigação exploratória qualitativa, selecionando contextos e pessoas
que me possibilitassem obter a informação que necessitava para melhor
compreender o fenómeno a estudar. Assim sendo, escolhi uma amostra de
conveniência constituída por 15 cuidadores formais de idosos de ambos os sexos,
utilizando como instrumento de recolha de dados, a entrevista semidirigida ou
semiestruturada, orientada de acordo com um guião, gravada em registo áudio,
transcrita na íntegra e realizada em diferentes períodos, compreendidos entre o
mês dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, conforme a disponibilidade dos participantes.
Após a análise e interpretação dos dados
recolhidos, e tendo sempre como fio condutor a questão que
orientou esta investigação, assim como o objetivo delineado, cruzando os dados
da literatura, com os que me foi possível recolher conclui:
Para os participantes, tal como acontece
na literatura estudada, mantem-se a conceção do idoso, como sabedoria e sem
sexualidade, como personagem romântica que faz parte das histórias da infância,
com que se adormecem as crianças e que conforta os adultos, e tal como acontece
no senso comum, que leva até a uma certa exigência social de que deve dar o
exemplo de boa conduta e serenidade, principalmente no que diz respeito à
sexualidade. Se ele se afasta desta imagem, verifica-se a
existência de uma injunção moral, já que, não estamos a ver os nossos avós a
praticar sexo, pois se o fazem são vistos como, velhos faunos desavergonhados.
Não existindo uma negação da sexualidade
do idoso por parte dos participantes, e considerando, todos eles, que os idosos
possuem capacidade para amar e/ou relacionar emocionalmente, constatei que
todos eles referem uma sexualidade sinónimo de companheirismo, carinho afeto,
amizade, respeito e interajuda, onde a mulher assume um papel de recatada e
menos ativa que o homem. Entretanto, se o interesse sexual dos idosos
ultrapassa esta visão, é apenas visto como mero namorico, ou no limite, remetido para escondido e vergonhoso.
Resulta igualmente percetível que a
ideia que os participantes têm da sexualidade que os idosos devem viver, é a de
uma sexualidade com características e limitações próprias desta idade, baseada
no carinho e no respeito, desvalorizando a sexualidade genital ou coital,
considerando de forma preconceituosa e carregada de tabus, o idoso como um ser
assexuado.
Embora todos sejam de opinião que quando
existem contactos amorosos entre os idosos nas instituições, estes são
encarados de forma aberta, verifiquei que quando realmente a relação entre
idosos ultrapassa a expressão de carinho, de interajuda e companheirismo e assume
um carácter erótico, os cuidadores reagem com particular desconforto, sendo
notáveis as reações de surpresa, embaraço e ansiedade, assumindo, por um lado,
contornos de indiferença e regozijo, e por outro lado, de repulsa. E se
aparentemente não são reprovadas, são no mínimo desvalorizadas e encaradas com
pouca seriedade.
Com as diversas questões colocadas,
averiguei não só a desxesualização dos idosos, por parte dos cuidadores, como,
ao mesmo tempo, não lhe é outorgada liberdade para viverem relacionamentos
neste âmbito, já que muitas vezes a sociedade condiciona, pelo facto de não
serem casados, e a família, principalmente os filhos, não deixarem.
No que se refere ao papel das
instituições na orientação sexual dos idosos, constatei que para além deles próprios,
sentirem vergonha e não se sentirem à vontade para procurar ajuda e
esclarecimentos neste âmbito, por parte das instituições não existe ninguém com
esta tarefa específica, existindo apenas uma orientação generalista, muito
provavelmente porque não emerge uma sexualidade como prazer. O que me levou
ainda a concluir que é necessária a formação dos cuidadores, especifica nesta
área, de maneira a evitar a generalização e promovendo a individualidade de
cada um, mas também a formação dos idosos de maneira a facilitar-lhes falar
abertamente sobre esta temática.
Resultou-me ainda percetível uma atitude
de infantilização do idoso, visto pelos participantes, não como um adulto
dotado de identidade sexual, mas antes, como um ser assexuado ou uma criança.
Tendo a noção de que a questão da
sexualidade no idoso é complexa e fortemente influenciada pelas atitudes,
preconceitos, mitos e crenças por parte dos cuidadores, mas sendo esta uma
realidade e uma consequência para o bem-estar das pessoas, mesmo em idades avanças,
quando limitada ao companheirismo e à interajuda, pergunto-me, tal como o fiz
na altura da realização do meu trabalho: Onde está a preocupação com o corpo e
com a sexualidade genital? Ela deixou de existir?
Se falar de sexo e sexualidade é ainda
envolto em grande pudor, quando se trata da sexualidade do idoso esta questão é
ainda mais evitada, na conclusão do meu trabalho, e embora, numa primeira
análise, os participantes me tenham parecido muito abertos e informados sobre a
temática, através das suas respostas muito homogéneas, e como que,
politicamente corretas deram-me a sensação de que queriam evitar algo difícil
como é a sexualidade do idoso.
Estando consciente de que este não foi
um estudo fácil, consegui atingir o objetivo a que me propus e posso hoje
inferir opinião acerca da perceção dos cuidadores relativamente à sexualidade
dos idosos, que se por um lado se mostra liberal e muito permissiva, aceitando
e encarando com naturalidade a sexualidade e a sua expressão por parte dos
idosos, por outro demonstra dificuldade, irresponsabilidade e preconceito em
assumir uma sexualidade enquanto desejo e prazer genital.
Cidália
Vaz
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