quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dissertação de mestrado da colega Cidália Vaz I Aspetos da Vida Sexual na Terceira Idade.


“Curiosidade, criatividade, disciplina e especialmente paixão são algumas exigências para o desenvolvimento de um trabalho criterioso, baseado no confronto permanente entre o desejo e a realidade.”

Mirian Goldenberg

 

Aspetos da Vida Sexual na Terceira Idade

- uma abordagem qualitativa e exploratória da perceção do cuidador formal sobre a sexualidade do idoso -

 

No âmbito da conclusão do Mestrado em Educação surge a vontade de proceder à realização de uma tese de dissertação, não só por permitir desafiar e estudar temáticas muitas vezes, pouco ou nada estudadas, como por deixar que sejamos nós próprios a fazer a interpretação dos dados recolhidos destinados ao nosso estudo.

Um dos traços mais salientes da sociedade portuguesa atual, comum à generalidade dos países europeus, é o crescimento da população idosa.

Sendo a velhice, uma consequência do aumento da esperança de vida assiste-se atualmente a um fenómeno social denominado envelhecimento demográfico onde o crescimento da população com mais de 65 anos de idade é uma realidade.

A imagem negativa do envelhecimento, e mais concretamente acerca do idoso, que ainda existe, leva muitas vezes a que a atenção seja desviada dos aspetos essenciais à sua qualidade de vida, dos quais a sexualidade é parte integrante.

Tendo consciência de que muitos idosos mantêm relacionamentos amorosos, interesse e capacidades sexuais até idades muito avançadas, e que a capacidade sexual está presente no indivíduo ao longo de toda a sua vida, inclusivamente até idades muito avançadas constatei também que os estudos sobre a sexualidade na terceira idade e mais concretamente acerca do papel do cuidador relativamente a esta temática são ainda muito escassos ou quase inexistentes.

Tendo por base o anteriormente exposto, o facto de ter estagiado e lidado com esta população e tendo em conta que o envelhecimento deve ser visto como um problema, não só pessoal e familiar, mas antes social, com este trabalho propus-me contribuir, de alguma forma, para um maior conhecimento e compreensão do papel do cuidador formal no que respeita à sexualidade do idoso.

Para a análise desta problemática, delineei a seguinte pergunta de investigação: Será que na perceção dos cuidadores, a respeito da sexualidade do idoso, estão presentes tanto os aspetos amorosos como sexuais? E tracei como objetivo principal: Conhecer a perceção do cuidador formal sobre a sexualidade do idoso.

Para a realização deste trabalho optei por uma investigação exploratória qualitativa, selecionando contextos e pessoas que me possibilitassem obter a informação que necessitava para melhor compreender o fenómeno a estudar. Assim sendo, escolhi uma amostra de conveniência constituída por 15 cuidadores formais de idosos de ambos os sexos, utilizando como instrumento de recolha de dados, a entrevista semidirigida ou semiestruturada, orientada de acordo com um guião, gravada em registo áudio, transcrita na íntegra e realizada em diferentes períodos, compreendidos entre o mês dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, conforme a disponibilidade dos participantes.

Após a análise e interpretação dos dados recolhidos, e tendo sempre como fio condutor a questão que orientou esta investigação, assim como o objetivo delineado, cruzando os dados da literatura, com os que me foi possível recolher conclui:

Para os participantes, tal como acontece na literatura estudada, mantem-se a conceção do idoso, como sabedoria e sem sexualidade, como personagem romântica que faz parte das histórias da infância, com que se adormecem as crianças e que conforta os adultos, e tal como acontece no senso comum, que leva até a uma certa exigência social de que deve dar o exemplo de boa conduta e serenidade, principalmente no que diz respeito à sexualidade. Se ele se afasta desta imagem, verifica-se a existência de uma injunção moral, já que, não estamos a ver os nossos avós a praticar sexo, pois se o fazem são vistos como, velhos faunos desavergonhados.

Não existindo uma negação da sexualidade do idoso por parte dos participantes, e considerando, todos eles, que os idosos possuem capacidade para amar e/ou relacionar emocionalmente, constatei que todos eles referem uma sexualidade sinónimo de companheirismo, carinho afeto, amizade, respeito e interajuda, onde a mulher assume um papel de recatada e menos ativa que o homem. Entretanto, se o interesse sexual dos idosos ultrapassa esta visão, é apenas visto como mero namorico, ou no limite, remetido para escondido e vergonhoso.  

Resulta igualmente percetível que a ideia que os participantes têm da sexualidade que os idosos devem viver, é a de uma sexualidade com características e limitações próprias desta idade, baseada no carinho e no respeito, desvalorizando a sexualidade genital ou coital, considerando de forma preconceituosa e carregada de tabus, o idoso como um ser assexuado.

Embora todos sejam de opinião que quando existem contactos amorosos entre os idosos nas instituições, estes são encarados de forma aberta, verifiquei que quando realmente a relação entre idosos ultrapassa a expressão de carinho, de interajuda e companheirismo e assume um carácter erótico, os cuidadores reagem com particular desconforto, sendo notáveis as reações de surpresa, embaraço e ansiedade, assumindo, por um lado, contornos de indiferença e regozijo, e por outro lado, de repulsa. E se aparentemente não são reprovadas, são no mínimo desvalorizadas e encaradas com pouca seriedade.

Com as diversas questões colocadas, averiguei não só a desxesualização dos idosos, por parte dos cuidadores, como, ao mesmo tempo, não lhe é outorgada liberdade para viverem relacionamentos neste âmbito, já que muitas vezes a sociedade condiciona, pelo facto de não serem casados, e a família, principalmente os filhos, não deixarem.

No que se refere ao papel das instituições na orientação sexual dos idosos, constatei que para além deles próprios, sentirem vergonha e não se sentirem à vontade para procurar ajuda e esclarecimentos neste âmbito, por parte das instituições não existe ninguém com esta tarefa específica, existindo apenas uma orientação generalista, muito provavelmente porque não emerge uma sexualidade como prazer. O que me levou ainda a concluir que é necessária a formação dos cuidadores, especifica nesta área, de maneira a evitar a generalização e promovendo a individualidade de cada um, mas também a formação dos idosos de maneira a facilitar-lhes falar abertamente sobre esta temática.

Resultou-me ainda percetível uma atitude de infantilização do idoso, visto pelos participantes, não como um adulto dotado de identidade sexual, mas antes, como um ser assexuado ou uma criança.

Tendo a noção de que a questão da sexualidade no idoso é complexa e fortemente influenciada pelas atitudes, preconceitos, mitos e crenças por parte dos cuidadores, mas sendo esta uma realidade e uma consequência para o bem-estar das pessoas, mesmo em idades avanças, quando limitada ao companheirismo e à interajuda, pergunto-me, tal como o fiz na altura da realização do meu trabalho: Onde está a preocupação com o corpo e com a sexualidade genital? Ela deixou de existir?

Se falar de sexo e sexualidade é ainda envolto em grande pudor, quando se trata da sexualidade do idoso esta questão é ainda mais evitada, na conclusão do meu trabalho, e embora, numa primeira análise, os participantes me tenham parecido muito abertos e informados sobre a temática, através das suas respostas muito homogéneas, e como que, politicamente corretas deram-me a sensação de que queriam evitar algo difícil como é a sexualidade do idoso.

Estando consciente de que este não foi um estudo fácil, consegui atingir o objetivo a que me propus e posso hoje inferir opinião acerca da perceção dos cuidadores relativamente à sexualidade dos idosos, que se por um lado se mostra liberal e muito permissiva, aceitando e encarando com naturalidade a sexualidade e a sua expressão por parte dos idosos, por outro demonstra dificuldade, irresponsabilidade e preconceito em assumir uma sexualidade enquanto desejo e prazer genital.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                                                     

 

 

 

Cidália Vaz

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