quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Será a criatividade pertinente para a Educação Social e para o/a Educador/a Social? Por Ruben Amorim

Por Ruben Amorim

Será a criatividade pertinente para a Educação Social e para o/a Educador/a Social?


A criatividade é um conceito chave para os desafios de qualquer profissional. Designa-se, atualmente, como uma competência imprescindível para as organizações. Sendo estas compostas por pessoas, recurso manifestamente prioritário, torna-se fundamental entender o conceito e refletir sobre o mesmo, colocando-o ao serviço da nossa melhoria constante enquanto profissionais.

Recorrentemente, gestores de grandes empresas afirmam que a criatividade é mesmo o maior ativo (recurso intangível) que se pode possuir e que se traduz numa enorme vantagem competitiva para as empresas. Tal como afirma Daymon (2000),Creativity is almost universally regarded by both practitioners and scholars as an essential ingredient in the success of organizations”.


Será a criatividade pertinente para a Educação Social e para o/a Educador/a Social?


Comecemos, então, por se definir a criatividade:


Webster’s College Dictionary (1991) define a criatividade como:

“The state or quality of being creative. The ability to create meaningful new forms, interpretations, etc.: originality. The process by which one utilizes creative ability”

(p. 319).


Vulgarmente associamos criatividade à originalidade e à novidade. Ser-se criativo/a implica a criação de novas abordagens e, frequentemente, fazer diferente do habitual.


Kao (1991) sugere que a criatividade pode ser definida por:

“(I)t is a human process leading to a result which is novel (new), useful (solves an existing problem or satisfies an existing need), and understandable (can be reproduced)”

(p. 14).


Este autor inclui o conceito de resolução de problemas perante uma dada necessidade. O processo criativo desenvolve-se, habitualmente, quando nos deparamos com algum desafio (problema) que necessita de ser colmatado.


Sternberg e Lubart (1999) definem a criatividade como:

“the ability to produce work that is both novel (original, unexpected) and appropriate (useful, adaptive concerning task constraints)”.


Esta última definição incorpora a adaptação e a utilidade da criatividade para o nosso quotidiano. Assim, o processo criativo aumenta a sua pertinência quando, perante um dado problema, criamos soluções adequadas e exequíveis.


Sternberg e Lubart incluem, ainda, elementos geralmente associados com a criatividade: o desenvolvimento do pensamento divergente (gerar várias ideias únicas) seguido do pensamento convergente (combinação dessas ideias de modo a alcançar o melhor resultado).


Ainda, segundo Atherton (2010), o pensamento divergente é frequentemente associado com as artes e as humanidades e verificado (testado) pelos testes de criatividade, enquanto o pensamento convergente (resolução dos problemas) é habitualmente verificado em testes de inteligência e associado com as áreas da ciência e tecnologia.


Como conceito, a criatividade pode ser definida de duas formas:

1) como um resultado (outcome) e um processo (process). O resultado criativo é novo e (in)convencional, partindo daquilo que é usualmente aceite.

2) Perspetivar a criatividade como um processo é a sequência das atividades por meio do qual se desenvolve a novidade (Daymon, 2000).


De acordo com o mesmo autor, a criatividade é caraterizada por três conceitos chave:

· (in) convencionalidade

· Autonomia

· Risco.


O que não é convencional traduz-se em novidades, assim como no trabalho do Educador Social se pretende que se arranjem soluções para problemas muito específicos. É fundamental personalizar cada intervenção, pois cada caso é um caso e merece diferentes intervenções.

Para se desenvolver o processo criativo deve existir uma grande autonomia por parte dos criativos/as. Quanto maior for a autonomia, maior poderá ser a probabilidade de se desenvolverem soluções criativas para dados problemas.

A criatividade envolve, frequentemente, alguns riscos. Contudo, é nesta dicotomia entre o conforto e o risco que nasce a criatividade, isto é, as soluções mais criativas e diferenciadas para os problemas existentes.


Os/as TSES, perante as problemáticas sociais e seus desafios profissionais devem aplicar um pensamento divergente, isto é, diagnosticar de modo eficaz os problemas reais e, posteriormente enveredar no pensamento convergente para conseguir resolver os mesmos com o maior êxito possível. Com efeito, terão de recorrer a um processo de criatividade.

É com este recurso inesgotável e inestimável que a Educação Social no nosso país pode desenvolver-se e promover-se, sobretudo pela criatividade se pautar pela novidade e resolução de problemas. Sendo criativos/as estamos a criar oportunidades enquanto profissionais, bem como a conduzir a nossa intervenção a uma melhoria significativa de qualidade.


Abusem da criatividade =)


Papers consultados:

· Daymon, C., (2001), "Cultivating creativity in public relations consultancies: The management and organisation of creative work", Journal of Communication Management, Vol. 5 Iss: 1 pp. 17 – 30.

· Herbig, P. e Jacobs, L., (1996), "Creative problem-solving styles in the USA and Japan", International Marketing Review, Vol. 13 Iss: 2 pp. 63 – 71.

· Schmidt, J., Soper, J. e Facca, T., (2012), “CREATIVITY IN THE ENTREPRENEURSHIP CLASSROOM”, Journal of Entrepreneurship Education, Vol. 15, pp. 123 – 131.

· Sousa, C., Coelho, F., (2011), "From personal values to creativity: evidence from frontline service employees", European Journal of Marketing, Vol. 45 Iss: 7 pp. 1029 – 1050.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Educação Social em Portugal por Nelson Gomes - CNES


É com muito agrado que a APES partilha;

" trabalho de pesquisa que efectuei sobre a
evolução da Educação Social no nosso país e que tem sido utilizado em
contextos académicos, seminários e encontros relacionados com a Educação
Social e que nos dá uma perspectiva sobre a identidade da Educação Social
em Portugal. Tal como tenho feito com tantas organizações, deixo ao vosso
critério a utilização desta informação para o efeito que acharem útil. A
informação só tem sentido se partilhada". Nelson Gomes - Fundador do (CNES- Conselho Nacional de Educadores
Sociais)

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A Educação Social em Portugal Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional
Nelson Fojo Correia Gomes


A eclosão da Educação Social



Enquanto prática, a Educação Social não é recente. Podemos entender toda a educação e toda a actividade educativa como social, uma vez que se destina e se processa com indivíduos, com grupos e em contextos comunitários. Tem por isso uma dimensão social intrínseca e traz também consequências sociais importantes e até determinantes para o sentido do progresso das sociedades. Não é de estranhar, portanto, a relevância que especialmente os países mais desenvolvidos atribuem à actividade educativa, entendendo-a como capital para o seu posicionamento evolutivo e até competitivo durante as gerações seguintes. Também toda a educação tem um propósito social. As sociedades educam-se, não só para que assegurem às gerações seguintes o conhecimento já alcançado e assim possibilitar um desenvolvimento mais célere, mas também por questões relacionadas com o controle social e com a limitação das práticas pessoais e sociais que se pode atingir através da educação. Embora o objectivo de qualquer educação seja a autonomia dos seus formandos, esta actividade significa sempre uma forma de controlo social. No entanto, enquanto conceito objectivo e espaço profissional delimitado, a Educação Social estabeleceu-se há muito menos tempo. Se existe uma educação social desenvolvida em muitas circunstâncias de modo informal e presente em toda a história humana, apenas durante o século XX, com a emergência do Estado Providência na Europa e com a consequente generalização das políticas sociais, podemos observar a Educação Social como uma actividade organizada, desenvolvida segundo critérios metodológicos e gradualmente profissionalizada.
O desenvolvimento desta área profissional em Portugal ocorre de uma forma distinta em relação ao desenvolvimento da Educação Social europeia. Com efeito, podemos falar no contexto europeu de uma actividade sócio-educativa que se desenvolve significativamente a partir das duas guerras mundiais e de forma muito mais vigorosa na Europa Central, devastada fisicamente e numa situação de caos social provocado pelas guerras. Isto significa exactamente que as crises (entenda-se o pós-guerra como um período de crise) encerram um potencial de desenvolvimento para a Educação Social. De facto, a evolução da história mostra-nos que é nos problemas sociais que a Educação Social

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busca potencial para o seu desenvolvimento ou pelo menos, é nesses períodos que os estados e os governos entendem como útil e importante o investimento sócio-educativo. Portugal não está no cerne geográfico das duas guerras mundiais. Isto significa que, apesar das carências sociais que conheceu à época, o país não se entendeu numa situação de emergência ou urgência social, facto que aliado à estratégia de isolamento escolhida para o país, configurou um desenvolvimento da Educação Social em Portugal diferente e não coincidente com o que ocorreu no contexto europeu. Torna-se no entanto importante conhecer um pouco do que foi o desenvolvimento desta actividade numa perspectiva europeia e mundial, porque se o seu desenvolvimento foi diferente daquele que aconteceu em Portugal, a evolução da Educação Social europeia assume-se como uma referência importante para o reconhecimento e para a percepção da Educação Social numa dimensão global. Num dos capítulos seguintes abordarei o desenvolvimento da Educação Social tanto num contexto europeu como nacional. Petrus (1997) identifica uma série de factores importantes e determinantes para a evolução da Educação Social, mas ao mesmo tempo bastante diversos: os contextos sociais, as novas políticas sociais, as culturas predominantes, a economia e o próprio contexto pedagógico. Nesta circunstância, a emergência da democracia nas sociedades ocidentais, a evolução do estado de Bem Estar (Welfare State) e o aumento do nível de responsabilidade social dos governos são também factores basilares para a configuração da Educação Social na Europa Ocidental. Também a crise da escola formal, incapaz de responder satisfatoriamente ao conjunto de necessidades sociais das famílias e das comunidades, tem um papel importante no desenvolvimento de uma educação não formal que ultrapassa os limites da escola. Transportando estas definições para Portugal, podemos considerar que, tal como na Europa, a Educação Social conheceu no país diferentes formatos e especialmente objectivos distintos. Antes da democracia, podemos identificar uma Educação Social relacionada com os objectivos do sistema político da época, com o culto do nacionalismo, da ordem social e dos símbolos do Estado. Era claramente uma actividade sócio-educativa com objectivos políticos e ideológicos mais salientes do que os propósitos de desenvolvimento social. Com o estabelecimento da democracia em Portugal, também a Educação Social se reconfigura de acordo com os objectivos democráticos que ainda hoje reconhecemos, praticamos e somos educados a praticar. Este processo de intervenção social é exactamente o reflexo normativo da sociedade que a pratica, numa dimensão de educação integral dos cidadãos. E em contextos democráticos como a Europa e Portugal, na actualidade a Educação Social assume-se como uma educação para a democracia e para a cidadania plena.
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O Estado Providência, apesar de apresentado em Portugal como um conceito também em crise, em que quer os recursos disponíveis, quer os modelos de gestão utilizados não permitem satisfazer as expectativas dos cidadãos em relação à saúde, à educação ou à protecção social, continua a ser uma plataforma basilar, fulcral para o estabelecimento de um nível mínimo de qualidade de vida para qualquer cidadão e imprescindível para a manutenção dos índices de pobreza em níveis mais ou menos satisfatórios. No nosso país, sem as transferências sociais viabilizadas pelas políticas sociais do Estado, os índices de pobreza pelo menos duplicariam e sem uma prática fiscal promotora da redistribuição equitativa dos rendimentos, o fosso entre os muitos pobres e os poucos ricos amplificaria-se ainda mais. Serve isto para dizer que, embora o Estado Providência seja apontado como uma instituição em crise nas sociedades ocidentais, é também hoje em dia uma variável imprescindível para o objectivo de equilíbrio social desejável para uma sociedade moderna e inclusiva. Para além disto, o Estado Providência pressupõe uma intervenção permanente ao nível da regulação económica e social, assumindo o Estado uma responsabilidade social que o torna promotor também de políticas de educação social ou reeducação social. Esta responsabilidade é hoje claramente visível num mundo globalizado e numa conjuntura de crise financeira, económica e social. Os vários estados têm-se preocupado e desenvolvido esforços visíveis através da comunicação social e de políticas de intervenção que tentam evitar ou amortecer as rupturas que uma crise global de uma dimensão extraordinária pode provocar na ordem social. Os estados continuam por isso a ser interventivos, presentes e reguladores, utilizando práticas económicas com menor ou maior influência keynesiana. A redefinição das práticas educativas tem ocorrido com frequência nas sociedades contemporâneas. A actividade educativa há já alguns anos transpôs os limites da instituição escolar e assume-se como permanente e decorrendo ao longo de toda a vida. Aliás, os conceitos de educação permanente e ao longo da vida são fundamentais para a própria Educação Social, ao estabelecerem que a educação assume diferentes dimensões (formal, não formal e informal) e que acontece em qualquer lugar e em qualquer fase da vida das pessoas. A educação não é por isso limitável, nem cabe apenas numa instituição específica como a escola, apesar desta se ter vindo a reconfigurar em função dos novos desafios de uma educação que se pretende para todos e nos mais variados contextos físicos e etários.
A própria sociedade exige a si mesma uma capacidade educadora nunca antes solicitada. Por um lado as famílias, pelas dificuldades de disponibilidade que derivam da inserção profissional da mulher e dos consequentes obstáculos na gestão do tempo livre para a família, para as crianças e para os velhos. Por outro lado a própria sociedade, que precisa de reeducar aqueles que não beneficiaram com sucesso dos primeiros estímulos educativos e não se assumem como cidadãos integrados e autonomamente regrados, que precisa de apoiar socialmente aqueles que em necessidade não podem contar com a solidariedade de famílias cada vez mais nucleares e heterogéneas na sua constituição e que necessita de estabelecer e atingir um perfil mínimo que

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qualquer cidadão deve atingir numa perspectiva da sua integração e do seu desenvolvimento pessoal e social. Estas são variáveis que reforçam o aumento das expectativas relativamente a um Estado socialmente interventivo. Ao falarmos da emergência da Educação Social não estamos a abordar especificamente a actividade profissional dos educadores sociais. Isto porque, durante muito tempo a Educação Social não foi desenvolvida por profissionais específicos ou com um perfil especializado, quer na Europa, quer em Portugal. Aliás, em Portugal ainda hoje muitas organizações do sector da Educação assumem actividades não só educativas mas também com finalidades sociais sem que tenham educadores sociais como promotores. Também ao nível do terceiro sector, muitas organizações assumem objectivos formativos e educativos para as suas actividades de missão social, sendo em várias circunstâncias outros trabalhadores sociais os seus intérpretes, muito embora lhes faltem competências de educadores. Com esta constatação podemos verificar que nem toda a Educação Social ou pelo menos nem todas as actividades sócio-educativas são organizadas ou concretizadas por educadores sociais. O percurso de conquista do seu âmbito de intervenção profissional no domínio da própria Educação Social tem sido um processo, gradual e progressivo.
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A definição de um conceito para a Educação Social



Falando desta área e de uma forma muito mais concreta sobre a actividade profissional dos educadores sociais, torna-se conveniente definir conceptualmente a Educação Social, entendendo-a em simultâneo não só como a actividade que os educadores sociais desenvolvem e concretizam, mas também como a referência incontornável para os projectos e para a profissão destes agentes educativos. Ser educador social é praticar profissionalmente a Educação Social, seguindo os seus pressupostos metodológicos e observando as práticas assumidas pela própria Pedagogia Social. Para uma compreensão do conceito de Educação Social, perspectivando-o antes de mais como um termo tão transversal e amplo como a própria actividade sócio-educativa, convém observar o conjunto de perspectivas que Petrus (1997) encontra para esta noção: estas ópticas encontram para a Educação Social diferentes entendimentos, diferentes significados e inclusivamente diversas potencialidades. São claramente uma forma de compreender toda a amplitude deste conceito e todas as dimensões de possibilidade que o termo encerra. a) A educação não formal assume-se na sequência da percepção e do entendimento de que a educação não está limitada pelo espaço ou pelo tempo, nem decorre apenas na escola e durante os anos de escolaridade (Coomb y Ahmed, 1975); b) Coexistem três dimensões educativas que se relacionam e complementam, definindo o conjunto de estímulos educativos que a sociedade possibilita a cada cidadão:
educação formal- o sistema educativo institucionalizado, com um espaço e tempo próprios e que avalia e certifica formalmente as habilitações literárias das pessoas, a educação não formal- todas as actividades organizadas, com uma determinada duração e com propósitos educativos claros, que decorrem fora do espaço e do tempo característicos do sistema educativo; educação informal- todas as circunstâncias e experiências quotidianas que influenciam o desenvolvimento das pessoas e através das quais se definem atitudes, conhecimentos e competências.
c) A emergência da educação social é determinada pela eclosão da educação não formal: esta dimensão educativa assume-se claramente como o contexto de trabalho do Educador social. De acordo com LaBelle (1980), a educação não formal surge em resultado das transformações sociais ocorridas nas últimas décadas que revela necessidades sociais e educativas às quais a escola formal não pode ou não consegue responder. Isto significa que há que criar, em resposta a estas necessidades, situações de desenvolvimento educativo fora da escola, muitas vezes promovidas pela própria sociedade civil através das suas organizações privadas e independentes do Estado. Hoje em dia, os conceitos de aprendizagem e educação não se
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limitam no conceito de escolarização. Em Portugal inclusivamente, a posse de uma certificação escolar significativa ou de nível superior não é suficiente ou pelo menos não é o único critério que influencia o acesso a um posto de trabalho. O currículo não formal, constituído por todas as experiências educativas obtidas fora da escola, é cada vez mais um aspecto valorizado pelas organizações quer pela generalização do acesso à escolaridade, quer pela percepção de que as vivências educativas não formais têm uma influência significativa no desenvolvimento de competências pessoais, sociais e inclusivamente profissionais. Penso que nos próximos anos, esta dimensão não formal da educação será cada vez mais valorizada e entendida não como importante, mas como determinante no processo de formação e desenvolvimento das pessoas, pelo menos nos países mais evoluídos, onde a própria escolaridade obrigatória atinge níveis de formação cada vez mais elevados. Se a escola se apresenta com o objectivo de estimular nos alunos competências de formação, numa perspectiva de aprendizagem contínua e durante toda a vida, a educação não formal assume-se ainda como uma categoria de actividades que integra acções de reabilitação social onde a sociedade se assume como educadora ou reeducadora quando a instituição escolar não foi capaz de atingir o sucesso educativo e suficiente para assegurar a integração social dos seus alunos. Se a sociedade se tenta construir numa busca permanente do equilíbrio social, é através da actividade educativa (neste caso sócio-educativa) que tenta corrigir desequilíbrios, estimular a coesão social e definir estratégias de desenvolvimento integrado. Também as inovações tecnológicas, económicas e sociais determinam que, numa lógica de crescente competitividade global que caracteriza a sociedade actual, os profissionais adultos procurem actividades de educação não formal para actualização de competências e para que se mantenham integrados profissionalmente. Num ambiente em que a competitividade se assume como altamente geradora de exclusão para os menos capazes a um ritmo quase inesperado, a actividade formativa assume um carácter preventivo face a essa exclusão. d) Antoni Petrus define como aspecto específico e delimitador da identidade do educador social o carácter pedagógico da sua intervenção ou seja, a metodologia educativa assumida e uma perspectiva crítica e transformadora da sociedade. Desta forma, podemos considerar o educador social como um profissional que desenvolve projectos educativos numa dimensão individual, grupal ou comunitária, mas sempre com o objectivo de facilitar ou propiciar a transformação, num primeiro nível dos sujeitos junto dos quais intervém e numa perspectiva mais extensa, da sociedade. Educar significa claramente ajudar a transformar alguém num determinado sentido e é obviamente um meio válido para a estruturação da sociedade.
e) A prática da Educação Social pressupõe uma dialéctica teórico-prática, na tentativa de optimização da intervenção profissional. Uma vez que é protagonizada por profissionais, a Educação Social deverá tentar de forma permanente a melhoria das suas práticas no sentido

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da sua evolução qualitativa e da percepção pela própria sociedade de que a Educação Social é um método válido, útil e adequado aos objectivos da coesão e do desenvolvimento social. O educador social é por isso mesmo alguém que reflecte na sua prática, tentando de forma teórica mas não quimérica adequar a sua acção ao sentido desejado no projecto educativo. Reflectir sobre a realidade permite não só melhorá-la no imediato mas inclusivamente projectá-la e definir objectivos e estratégias de maior alcance. Para além disso, a própria acção profissional deve sustentar-se numa projecção educativa, que dá sentido de uma forma integrada a todos os pequenos procedimentos que poderão até parecer desordenados numa visão descontextualizada. O educador social é por isso um profissional reflexivo e actuante, conseguindo no equilíbrio entre estes diferentes momentos, a estabilidade para a actividade educadora. f) Para além de autores como Garcia Garrido (1971) e Quintana (1984) que apresentaram conjuntos de funções próprias da Educação Social e que permitiam antever as suas potencialidades, Antoni Petrus (1997) apresenta um conjunto mais extenso de diferentes dimensões para a Educação Social, que ilustra bem não só a transversalidade das suas possibilidades como também a simultaneidade de processos que a actividade sócio-educativa integra. Assim, Petrus entende a Educação Social como:
- adaptação: nesta perspectiva, a Educação Social é entendida como um esforço de aquisição de características intelectuais, sociais e culturais que permitam ao sujeito integrar-se, viver e coexistir num meio social concreto. O processo de adaptação durará também toda a vida, de forma contínua e adaptativa; - socialização: enquanto meio de socialização, a Educação Social é entendida também como uma adaptação, mas não numa vertente biológica. A aquisição de normas, valores, atitudes e comportamentos é um requisito para a integração social e concretiza-se através de processos educativos e formativos; - aquisição de competências sociais: enquanto o processo de socialização acontece de forma quase incontrolada e sem que o sujeito tenha uma noção completa sobre esse processo, a aquisição de competências sociais pressupõe a consciência do próprio de que existem capacidades sociais a adquirir para o seu processo de integração social, para que corresponda às expectativas sociais que existam sobre ele mesmo. Há portanto esta noção de consciência e de vontade própria, necessárias ao processo de aquisição de competências sociais; A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 8
- didáctica do social:

desta forma, a Educação Social é entendida como um conjunto de metodologias de intervenção face aos problemas sociais, que assume como referencial para a sua concretização a melhoria de uma determinada situação social. Esta abordagem tem muito que ver com a profissionalização dos educadores sociais, entendendo-os como técnicos detentores de métodos próprios, validados cientificamente e que ajudam à previsão técnica sobre formas de intervir perante casos sociais. No entanto, considerando que a abordagem sócio-educativa deve considerar os perfis, as motivações e as características particulares das pessoas a quem se dirige, há que evitar uma potencial redução da intervenção sócio-educativa a um processo técnico ou tecnológico que unicamente se preocupe com a solução dos problemas sociais e não valorize igualmente o próprio decurso educativo e todo o envolvimento humano que aconteça. Isso poderia desvirtuar a intervenção sócio-educativa, transformando-a num processo insensível e prioritariamente com objectivos quantitativos; - acção profissional qualificada: neste sentido, a Educação Social é entendida como uma acção desempenhada por profissionais com preparação prévia que possa assegurar um nível mínimo de qualidade e que permita optimizar os níveis de qualidade de vida das pessoas e das sociedades. Os actores que materializam a Educação Social são portanto os educadores sociais, definidos pelo próprio Parlamento Europeu como um profissional que realiza tarefas educativas ou reeducativas, com métodos e técnicas pedagógicas e socorrendo-se de competências relacionadas com as áreas científicas da Psicologia e Sociologia; - acção sobre a inadaptação social: a Educação Social é potencialmente uma forma de intervenção sobre problemas relacionados com o desvio, a inadaptação e a marginalização social. Esta abordagem compreende a intervenção sócio-educativa como potencialmente reeducativa e recuperadora dos cidadãos para o seu contexto social, revelando-se como um dos meios para a concretização dos objectivos de equilíbrio social dos modernos estados de bem-estar social. No entanto, a Educação Social não se reduz a uma estratégia reeducativa, mas assume inclusivamente a possibilidade de intervir preventivamente face a possibilidades de exclusão social;
- formação política do cidadão:

muito embora noutros períodos da história da Educação Social esta actividade tenha sido utilizada com fins políticos ou com objectivos de educação política dos cidadãos (os períodos iniciais da história da Educação Social na Alemanha dão-nos conta disso mesmo), não podemos deixar de considerar que esta prática concretiza parte das políticas sociais e educativas dos A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 9
estados e dessa forma, nunca deixa de ser influenciada pelas orientações políticas conjunturais. Para além disso, os valores e os objectivos sócio-educativos perseguidos são sempre condicionados por quem desenha e determina as políticas sociais e educativas. A moral de uma sociedade também condiciona sempre a Educação Social que se pratica, uma vez que desejaremos sempre reproduzir valores sociais que são colectivamente aceites. Para além disso, a actividade sócio-educativa tende a reproduzir valores relacionados com o sistema político vigente (a democracia no caso da maioria dos países ocidentais) pelo que, se é influenciada pelo contexto político, a Educação Social também poderá ser reprodutora dos valores, atitudes e comportamentos aceites como normais e defendidos como paradigmáticos.
- prevenção e controle social: qualquer actividade educativa pressupõe uma acção de controle. Neste sentido, a Educação Social integra em si mesma a prática de uma forma de controle, até porque um dos seus objectivos é a prevenção ou a reintegração do desvio social através da mudança de comportamentos e atitudes. Este processo assume-se claramente como um instrumento das sociedades para o controle e para o equilíbrio social, embora o respeito pela identidade e pelas orientações valorativas das pessoas sejam um preceito nuclear da actividade profissional dos educadores sociais; - trabalho social educativo: os educadores sociais integram-se de forma simultânea na categoria dos profissionais da educação, mas especialmente como trabalhadores sociais, não só por desenvolverem a sua intervenção particularmente no domínio do terceiro sector, mas também pelo facto da sua actividade se situar no eixo da educação não formal que decorre essencialmente não no âmbito do sistema educativo, mas no contexto das organizações sociais exteriores à escola. A educação social distingue-se no entanto da aproximação assistencial pela sua vertente e metodologia pedagógica, proporcionadoras de uma abordagem mais humanizada e comprometida, integrando-se na multidisciplinaridade do trabalho social. - paidocenosis: a paidocenosis pode ser percebida como a acção educadora da sociedade. Em última instância é a sociedade quem emite toda e qualquer resposta educativa, pois é da sociedade enquanto organização colectiva que resultam todas as actividades de dimensão comunitária. No entanto, quando falamos de Educação Social aludimos a uma abordagem educativa que não acontece apenas na escola, mas sim no conjunto das organizações sociais. Esta actividade assume-se então como paidocenosis, concretizando a potencialidade educativa da própria sociedade; A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 10
- educação extra-escolar:

a este nível a Educação Social pode ser considerada uma categoria que integra todas as actividades educativas que decorrem fora do sistema educativo formal. Isto significa que a enorme diversidade de acções educativas, desenvolvidas pelos mais diferentes autores, dirigida aos mais diferentes públicos, sobre os mais variados assuntos e através de inúmeras metodologias pode integrar-se na categoria de actividades de educação social. Este é visivelmente um universo bastante amplo e dá-nos uma noção da grandeza das iniciativas que podem ser desenvolvidas pelos educadores sociais. Se hoje entendemos a educação como um fenómeno permanente, consideramo-la como praticamente possível em todo o espaço e em qualquer tempo. Trilla (1996) identifica três características nucleares para a Educação Social e que não só ajudam a compreender a natureza deste conceito, como também permitem uma síntese do que é comum à diversidade das acções sócio-educativas, tão variáveis nas suas abordagens e tão diversas nas dimensões individuais ou colectivas com as quais se desenvolvem. Assim, podemos compreender as seguintes perspectivas em relação à Educação Social: - A Educação Social será o conjunto de actividades educativas que têm como objectivo o desenvolvimento das competências sociais das pessoas, favorecedoras de uma positiva integração comunitária e social. A socialização e a integração social podem ser facilitadas através do estímulo educativo e da formação dos indivíduos; - A Educação Social será também o conjunto das actividades educativas que têm como destinatárias pessoas em situação de conflito ou desvantagem social. Entendamos como pessoas em situação de conflito, indivíduos ou grupos com práticas que contrariam deliberadamente as normas colectivas ou a ordem social em vigor e em desvantagem social indivíduos ou grupos que estão impedidos de aceder aos recursos, aos direitos e aos deveres característicos de um modelo de cidadania activa, participativa e também inclusiva; - A Educação Social será também o rol de actividades que integram a categoria da educação não formal, entendendo esta categoria como o conjunto de actividades educativas que se processam fora da escola, mas de forma intencional e organizada. No entanto, no actual contexto português como em tantos outros países do ocidente, a própria escola, numa dinâmica de construção de modelos de educação permanente, tem vindo a desenvolver uma série de actividades extra-curriculares que permitem compreender que actividades de Educação Social podem decorrer numa escola aberta à comunidade. Tradicionalmente, a educação não formal tem decorrido fora da escola, na comunidade e com os seus próprios recursos, mas podemos hoje identificar com grande facilidade actividades sócio-educativas na escola. A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 11
Perante todas estas considerações, poderemos entender a Educação Social como um processo educativo, com incidência social junto dos indivíduos, grupos ou comunidades, em contacto com as mais diversas faixas etárias e assumindo como conteúdo uma diversidade de saberes, potenciadores da normal e desejável integração, convivência e participação social. A Educação Social desenvolve-se especialmente em duas dimensões: a preventiva e a reintegradora. Nestas abordagens diferenciam-se estratégias e metodologias educativas e reeducativas, consoante a posição e as circunstâncias psicossociais das pessoas com as quais se trabalha. A Educação Social entende também uma série de valores que sustentam e orientam as suas práticas. A promoção da dignidade humana e o entendimento da educabilidade de todos, entendendo o ser humano como de enorme potencial e educativamente estimulável. O educador social é o intérprete destas práticas, entendendo a educação como um fenómeno permanente e fundamental para o equilíbrio social, em constante (re)construção. A Educação Social é ainda ao mesmo tempo, uma forma educativa de trabalho social e uma actividade formativa com incidência comunitária, que parte desta e a ela se destina. Considerando o carácter permanente da Educação e consequentemente da Educação Social, verificando que nos tempos actuais se defende a actividade educativa como realizável em todos os espaços e em todos os tempos, percebe-se a transversalidade que caracteriza a actividade profissional dos educadores sociais. Essa circunstância traduz-se numa diversidade enorme de possíveis contextos para a intervenção do educador social, o que do ponto de vista da empregabilidade é uma vantagem. Mas traduz-se também em dificuldades de conceptualização pelas diferentes configurações que a actividade sócio-educativa pode assumir.
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A evolução da Educação Social na Europa



A evolução da Educação Social na Europa não é de fácil delimitação, tendo existido alguns pedagogos que, ainda no século XIX e na primeira metade do século XX, perspectivaram a educação para além da escola, o que na época seria algo de inovador. Num período em que o sistema educativo era acessível especialmente às classes sociais mais elevadas, são exemplo dessa nova abordagem nomes como Johann Heinrich Pestalozzi e Friedrich Diesterweg, pedagogos que abordaram a dimensão social da educação e que perspectivaram a pedagogia numa dimensão comunitária. Utilizaram abordagens à actividade educativa próximas daquilo que hoje entendemos por Educação Social. Ainda na primeira metade do século XX, observamos na Europa uma instrumentalização da prática sócio-educativa no sentido da propaganda política e da defesa e promoção de ícones, valores e orientações comportamentais de acordo com os sistemas e as ideologias políticas nacionais vigentes, observando a Educação Social como um processo que orienta o indivíduo e a sua vontade para níveis mais elevados de vontade comunitária ou colectiva.
Mas o final da II Guerra Mundial e o consequente caos social numa Europa que necessitava de ser reconstruída a todos os níveis, foram aspectos que favoreceram o aparecimento de uma Educação Social concretizada profissionalmente de forma progressiva. Conhecemos nesta altura a emergência da Pedagogia Social Crítica, com uma configuração semelhante à dos dias de hoje nas sociedades democráticas, no paradigma de uma Europa nova, reconstruída e que defende a potencialização do indivíduo mas sempre integrado no seu meio social. Num período em que alguns países da Europa Ocidental se preocupam com a promoção de um modelo de cidadania democrática e livre, estabelecem-se especialmente na França e na Alemanha (palcos centrais da II Guerra Mundial) e em função das múltiplas situações de orfandade, sem-abrigo e de delinquência juvenil, movimentos de educadores com o objectivo de integrar e educar essas crianças e jovens numa sociedade europeia em redefinição. O francês Henri Joubrel é neste momento uma personagem notável. Destaca-se pelo estabelecimento de um movimento de educação popular, comunitária, que deriva do escutismo (com um significativo espírito vocacional e de missão interpretado pelos monitores-educadores de então) e que pretende apoiar as crianças e jovens inadaptados, carentes de um enquadramento familiar e social desejável em função de um harmonioso desenvolvimento pessoal e social. Dedica-se ao trabalho com jovens delinquentes, defendendo um tratamento educativo e não penitenciário para eles. É ele mesmo o fundador de um movimento em França intitulado de A.N.E.J.I.- Association Nationale dês Éducateurs de Jeunes Inadaptés (Associação Nacional de Educadores de Jovens Inadaptados) e participa também na criação da AIEJI (Associação Internacional de Educadores de

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Jovens Inadaptados, hoje Associação Internacional de Educadores Sociais). Com o passar dos anos, de uma intervenção educativa amadora e entendida quase com espírito missionário, avançamos gradualmente para o estabelecimento de uma intervenção profissionalizada, orientada por critérios mais técnicos e com uma incidência educativa mais regular, em função de uma profissionalização gradualmente sólida em alguns países da Europa Central e nos países nórdicos do continente europeu. Com efeito, a Educação Social profissionalizada, cujos intérpretes passam a receber uma preparação prévia para o seu exercício, expande-se para outros contextos de intervenção para além da infância e juventude inadaptada. Observamos a abertura da escola de Toulouse em 1942, de Lyon em 1943 e de Montesson em 1944. Esta profissionalização gradual acontece essencialmente por dois factores: - pelo carácter contínuo da necessidade de educadores sociais- se na conjuntura particular do pós II Guerra Mundial é inevitável a necessidade de educadores para atender às necessidades de acolhimento das crianças e jovens sem enquadramento familiar, novos problemas sociais e carências educativas tornam-se de forma progressiva circunstâncias em que a abordagem sócio-educativa se traduz em resultados positivos. Hoje em dia, são várias as situações sociais que requerem a intervenção do educador social; - pelo aumento de qualidade na intervenção que a própria profissionalidade provoca. Com uma acção profissional, uma abordagem mais técnica do que emocional, os resultados da intervenção dos educadores sociais emergem, salientam-se e a profissão gradualmente ascende a uma visibilidade que lhe permite ser requerida pela sociedade. Num contexto em que o Estado Social ou Estado Providência cresce, tal como as expectativas dos cidadãos em relação a si (durante a segunda metade do século XX), os educadores sociais tornam-se agentes activos das políticas sociais e educativas em países como a Alemanha, a França, a Noruega, a Dinamarca e mais tarde em países do sul da Europa como Itália, Espanha e Portugal. Documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948 e a Declaração dos Direitos da Criança em 1959, pela ONU, estabelecem uma série de direitos para os cidadãos e responsabiliza os estados e os governantes pela satisfação de um conjunto de aspectos, favorecedores do desenvolvimento individual e de uma convivência social desejável. Isso provoca um aumento das possibilidades também para os educadores sociais.
Um dos eixos fundamentais da formação destes profissionais é a prioridade do termo "relação" sobre o conceito "trabalho" ao nível da intervenção social. Este profissional é claramente compreendido como detentor de competências relacionais, conseguindo um destaque significativo em

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relação a um perfil profissional seu antecessor: o monitor de atelier
1 do território francês. Com efeito, o objectivo do estabelecimento desta formação preparatória é a de preparar os recursos humanos que lidam e contactam quotidianamente com jovens e crianças delinquentes, em casas de acolhimento e com objectivos reeducativos, para objectivos de trabalho não de reclusão, mas sim de reeducação e recuperação para a vida em sociedade. Nos anos mais recentes, temos exactamente observado a proliferação da profissão de educador social ou de títulos profissionais semelhantes (em alguns países francófonos continua a ser utilizado o termo educateur specialisée) pelos países europeus, quer pela percepção de que o perfil profissional e de competências é útil e necessário ao nível da execução das políticas sociais e educativas, quer pelo interesse suscitado pela observação das práticas dos educadores sociais em outros países. Podemos observar, em 2003, a distribuição de associações de educadores sociais pela Europa, de acordo com a AIEJI:
1 Em francês, moniteur d’atelier.

Figura 1- Países e associações de educadores sociais na Europa em 2003



Países com associações de educadores sociais inscritas na AIEJI Países com associações de educadores sociais sem inscrição na AIEJI Países sem associações de educadores sociais identificadas
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Esta associação internacional orienta desde o início da sua actividade a sua intervenção através da promoção de encontros internacionais entre educadores, subordinados ao debate de um conjunto de temas e perspectivas sobre a Educação Social. Nos primeiros anos, com um discurso ainda muito centrado na educação de crianças e jovens inadaptados, estes encontros dedicam-se especialmente à promoção da cooperação internacional entre organizações que se dedicam a este trabalho e à síntese de uma identidade para um colectivo profissional em emergência na Europa e em afirmação clara nas sociedades ocidentais democráticas. Hoje em dia, a AIEJI promove um congresso de dimensão mundial de quatro em quatro anos e seminários de cariz mais regional com uma periodicidade bianual. Observemos os temas trabalhados no histórico de congressos mundiais da AIEJI, até para percebermos a evolução temática que tem ocorrido:
 Setembro de 1953 (primeiro congresso mundial) em Amersfoort (Holanda), que assume como tópico central: "Cooperation between training centers for institutional personnel and the institutions themselves"

2;
 Julho de 1954 - Bruxelas (Bélgica), sob o tema:"The essential aspects of the work of a specialised 'educateur"
3;
 Julho de 1956 - Fontainebleau (França), sob o tema:"The nature of the relationship 'educateur'-troubled youth"
4;
 Junho de 1958 - Lausanne (Suiça): "Continuing education for educateurs of troubled youth"
5;
 Junho de 1960 - Rome (Itália): "The educateur of troubled youth and his mental hygiene"
6;
 Setembro de 1963 - Freiburg (Alemanha): "The basic educational, the specialization, and the ongoing training of educateurs of troubled children and youth"
7;
 Julho de 1970 - Versailles (França):"The social role of the educateur of troubled children and youth"
8;
 Maio de 1974 - Genebrae Lausanne (Suiça):"The educateur and the new behavior of young people in difficulty"
9;
 Abrilde 1978 - Montreal (Canadá):"The future of maladjusted children"
10;
2 Cooperação entre centros de formação para pessoas institucionalizadas e as próprias instituições. 3 Os aspectos essenciais do trabalho de um educador especializado. 4 A natureza do relacionamento educador- jovem inadaptado. 5 Formação contínua para educadores de jovens inadaptados. 6 O educador de jovens inadaptados e a sua higiene mental. 7 A formação básica, a especialização e a formação contínua dos educadores de crianças e jovens inadaptados. 8 O papel social do educador de crianças e jovens inadaptados. 9 O educador e o novo comportamento de jovens em dificuldade. 10 O futuro das crianças inadaptadas. A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 16
Maio de 1982 - Copenhaga (Dinamarca): "Between segregation and integration: The right to difference"11;
 Maio de 1986 - Jerusalém (Israel):"Social and economic options in favor of youth in difficulty"
12;
 Julho de 1990 - Nova York (Estados Unidos da América):"Young people in conflict: Building their tomorrows together"
13;
 Setembro de 1994 - Potsdam (Alemanha):"Educative action and crisis throughout the world- a challenge for profession and research"
14;
 Junho de 1997 - Brescia (Itália):"The socio-educational function in a multicultural world"
15;
 Junho de 2001 - Barcelona (Espanha):"Ethics and quality of socio-educational action"
16;
 Novembro de 2005 – Montevideo (Uruguay): "Social Education: inclusion and participation. Ethical, technical and political challenges"
17;
 Maio de 2009 – Copenhaga (Dinamarca): "The social educator in a globalised world"
18.
11 Entre a segregação e a integração: o direito à diferença. 12 Opções sociais e económicas favorecedoras da juventude em dificuldade. 13 Jovens em conflito: construindo juntos os seus amanhãs. 14 Acção educativa e crise pelo Mundo: um desafio para a profissão e para a investigação. 15 A função sócio-educativa num mundo multicultural. 16 Ética e qualidade da acção sócio-educativa. 17 Educação Social: inclusão e participação. Desafios éticos, técnicos e políticos. 18 O Educador social num mundo globalizado.
É interessante a análise destas abordagens e da sua evolução no contexto daquilo que tem sido também o progresso da profissão na dimensão mundial. Com efeito, à medida que os anos têm evoluído, tem-se estendido e diversificado esta plataforma mundial de educadores sociais cuja quantidade de membros nacionais tem aumentado especialmente nos últimos anos, numa dialéctica de diversidade em função das diferentes configurações locais da Educação Social e de comunidade num movimento mundial que pretende agregar num conceito universal, embora atendendo às diferentes particularidades, a dimensão e o significado da prática profissional dos educadores sociais, fortalecendo-a e ajudando à sua sustentação e proliferação. Também podemos perceber a evolução que o conceito profissional tem conhecido. Inicialmente entendida como uma profissão de dedicação às crianças e jovens inadaptados, a prática dos educadores sociais tem-se estendido a outros públicos e outros contextos ambientais, tornando-se quase tão universal quanto o princípio permanente da educação nos dias de hoje.
Extremamente relevante é o facto de a AIEJI ter produzido em 2006 um conjunto de princípios éticos aplicáveis aos educadores sociais de todo o mundo, constituindo um documento suficientemente universal para que cada país possa observar nele algumas orientações éticas gerais e

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aplicáveis apesar das especificidades circunstanciais de cada sociedade, que sirvam com referenciais deontológicos aceitáveis em todo o mundo. Neste momento, a AIEJI preocupa-se e ocupa-se com a promoção e a estimulação de uma rede mundial de educadores sociais com o objectivo de facilitar a troca e partilha de informação, de práticas e de saberes, concretizando o conceito de globalização na comunidade de profissionais, um desafio ambicioso e determinante para a evolução da profissão numa escala global.
A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 18
A evolução da Educação Social em Portugal

Falar hoje sobre a Educação Social em Portugal significa falar essencialmente sobre a actividade profissional dos educadores sociais portugueses, considerando que, embora sendo um espaço profissional recente (menos do que a grande maioria poderá supor hoje), a actividade sócio-educativa conhece a sua concretização e o seu exercício naquilo que se estabelece como o quotidiano profissional dos educadores sociais. Importa não esquecer a vertente formativa da Educação Social que consiste exactamente na preparação que os profissionais recebem e na formação profissional que experimentam de modo a atingirem o perfil de entrada exigido para o exercício da profissão. É do resultado da interacção entre exercício profissional e formação que se apura a dinâmica de desenvolvimento que a profissão experimentará nos tempos mais imediatos. Com efeito, a formação de educadores sociais, ao mesmo tempo que contribui para o futuro próximo da profissão, fornecendo renovados grupos de educadores sociais com potencial de introdução de inovação no espaço profissional, deve também sustentar as suas práticas formativas naquilo que é a actividade dos profissionais, assumindo-a como referência nuclear para a aprendizagem da profissão, valorizando as boas práticas e enaltecendo a reprodução de comportamentos e metodologias que se vão assumindo como comuns e próprias do trabalho dos educadores sociais. Enquanto profissão, a Educação Social pode ser entendida como uma realidade relativamente nova. Apenas na segunda metade do século XX podemos encontrar em Portugal a referência a uma profissão directamente relacionada com esta prática, embora em momentos anteriores possamos verificar a existência de intervenções com objectivos sociais e educativos, interpretadas por movimentos como as mocidades portuguesas (masculina e feminina) ou a Obra das Mães pela Educação Nacional, instituições características do Estado Novo e que demonstram como a Educação Social em contextos não formais (fora da escola) foi em determinados momentos da história portuguesa, instrumentalizada em função da ideologia política dominante, tal como aconteceu noutros países da Europa, especialmente antes e durante as duas grandes guerras.
Assim, podemos caracterizar a organização nacional Mocidade Portuguesa, criada na década de 30 do século XX, como uma organização juvenil cuja finalidade seria o desenvolvimento do carácter, o culto da Pátria, da ordem e da disciplina, da moralidade, do sentido cívico e do próprio sentido militar nos jovens rapazes. A Mocidade Portuguesa Feminina, organização feminina tal como o próprio nome indica, assumiu objectivos diversos e naturalmente relacionados com aquele que era o perfil desejável para a mulher portuguesa. Perseguindo objectivos de formação para a previdência, para o culto da vida doméstica e para o cumprimento da missão da mulher no contexto da família, podemos observar uma diferenciação clara das práticas de Educação Social promovidas em função dos géneros. Isso é também reflexo da clara e desejada desigualdade de papéis que a sociedade portuguesa entendia como normal à época.
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Podemos observar a proximidade destes movimentos com outros de finalidades semelhantes na Europa. De acordo com Kuin (1993), a Juventude Hitleriana e a Liga das Jovens Alemãs são exemplos de movimentos semelhantes na Alemanha, que ajudam a demonstrar que a Educação Social tende a reproduzir e a formar para o modelo de cidadania vigente. E isso continua a acontecer ainda hoje. Com efeito, a actual actividade dos educadores sociais, principalmente nos países ocidentais, preocupa-se com a promoção de valores, atitudes e comportamentos relacionados com o seu actual modelo de cidadania: a democracia. A Obra das Mães pela Educação Nacional, responsável a determinada altura pela organização da Mocidade Feminina Portuguesa, foi um movimento que se preocupou com a estimulação do potencial educativo da família, interpretado pela mulher portuguesa, com a preparação das seguintes gerações femininas para as suas tarefas maternais, domésticas e sociais e na cooperação com a escola, assumindo claramente um cunho nacionalista na sua actividade educativa. Este movimento acabou por assumir objectivos educativos, formativos, declarados através dos seus objectivos, no contexto dos quais a intervenção e a abordagem social eram métodos e estratégias. Pode considerar-se este como um movimento que, embora pouco dinâmico no sentido da dimensão das suas intervenções, assumiu perseguir objectivos educativos e assistenciais. O objectivo central da OMEN foi nos seus momentos iniciais a educação, não só da jovem mulher, mas especialmente da mulher proletária adulta, mulher do povo, reconhecida como ignorante e deficitária em termos de competências, à qual seria ministrada em centros sociais e educativos, no meio urbano, operário e rural, formação ao nível dos hábitos de higiene, puericultura e moral. Este princípio estará mesmo na génese na formação de agentes de educação familiar rural. Com efeito, o período de implantação destes centros sociais ocorreu até cerca de 1945, mas desde este período até 1958, verifica-se uma viragem para o interior, para a ruralidade. Especialmente porque, após a crise que a segunda guerra mundial provocou na Europa, ocorre em Portugal algum desenvolvimento ao nível da industrialização, urbanização e modernização do país no contexto mais citadino. A viragem para o meio rural acontece porque é onde se acha mais exequível intervir, aplicando um modelo social ainda conservador, num contexto de alguma mudança social especialmente nos meios urbanos, de êxodo rural do litoral para as cidades e para os centros progressivamente industrializados e também numa tentativa de controlo social através de estratégias educativas e de promoção de um perfil feminino apurado pelo Estado Novo. Este esforço de oposição a uma tendência espontânea de evolução social é concretizado através de medidas como:
- o ensino de técnicas agrícolas modernas, de forma a manter a viabilidade e a sustentabilidade da actividade agrícola. O aumento da produtividade agrícola é uma preocupação que

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tem o objectivo de manter o interesse das mulheres e das famílias na vida rural. Isto numa década (1950-60) em que a população rural no país diminuí em cerca de 6%; - a formação da população rural para que seja mais culta, competente, renovada e cumpridora do perfil que corresponde à mulher do Estado Novo; - a promoção da manutenção de elevados índices de natalidade como forma de fixar as famílias no meio rural (a deslocação de famílias numerosas é em relação a famílias pequenas, um processo mais difícil) e inclusivamente aumentar a população rural. Definidos os objectivos deste projecto de educação social, este plano sente a necessidade de formatar os recursos que vão actuar como agentes desta formação: as próprias educadoras. É também determinado o perfil para estas formadoras: do género feminino para facilitar a interacção com as mulheres, público-alvo deste processo; jovens, para induzir mudança, novidade e reeducação e finalmente capazes e competentes, tendo por isso que beneficiar elas próprias de uma preparação que as capacitasse para uma intervenção social, sanitária e educativa. A escola D. Luís de Castro em Braga (sem actividade desde 2006), especialmente pela disponibilidade de pequenas quintas ao seu redor e úteis à causa em questão, para além de outros factores como a existência de um corpo docente entendido como apropriado naquele distrito, é estabelecida como escola formadora de agentes de educação familiar rural em 1958. A escola é baptizada com o nome do pai da sua fundadora, a condessa de Penha Garcia, presidente da OMEN desde 1945. A OMEN integrava nas suas estruturas dirigentes mulheres de classe social privilegiada, que de uma forma organizada assumiam um trabalho de coordenação deste movimento, intervenção com características relacionadas com práticas de caridade. Podemos falar numa prática caritativa com critérios de organização e neste caso, num movimento à escala nacional, com o apoio sólido do Estado e da Igreja Católica, instituição bastante presente ainda hoje, em situações de assistência e apoio social. As conquistas deste movimento de formação de mulheres do campo ficam no entanto bastante aquém dos objectivos iniciais. A escola forma inicialmente pouco mais de dez educadoras por ano e as acções de educação social resumem-se a alguns cursos domésticos, iniciativas de caridade e acções de propaganda, muito longe dos propósitos originais de alteração de mentalidades. Gradualmente a dinâmica inicial deste projecto vai diminuindo, embora se mantenha a formação de agentes de educação familiar rural.
Este é um forte exemplo de uma preocupação forte com a Educação Social no sentido da promoção dos valores políticos e ideológicos dominantes, assumida pelo Estado português

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caracterizado nesta época pelas suas características absolutistas, centralizadoras e com uma deliberada acção de controle social. A actividade sócio-educativa é aqui perspectivada como socializadora no sentido das ideologias promovidas e instrumentalizada para a reprodução, fortalecimento e generalização dos valores subjacentes ao Estado Novo. Essa é uma característica que a própria Educação Social continua a assumir: a de reproduzir ou reforçar um determinado modelo de cidadania, na maioria das circunstâncias o modelo vigente. Se a Educação Social assume diversas formas e configurações consoante o tempo e o espaço onde se processa, é facilmente identificável em quase todos os contextos, senão em todos, este objectivo promocional em relação ao quadro ideológico e moral dominante. Em Portugal, no âmbito democrático que caracteriza o país no início do século XXI, a Educação Social e a própria actividade profissional dos educadores sociais preocupa-se com a promoção de valores, atitudes e comportamentos relacionados com um modelo de cidadania democrático, defensor de princípios de participação social activa por parte dos cidadãos. Uma cidadania inclusiva que promove deliberadamente a igualdade de oportunidades e incita à participação social de todos, observando este processo como importante para a coesão social e para a integração social plena das pessoas. Os educadores sociais podem neste entendimento colocar a si próprios algumas questões que revestem um cunho ético bastante saliente: considerando que a Educação Social poderá corresponder a uma orientação, a um condicionamento, a uma normalização dos projectos de vida das pessoas e dos grupos no sentido daquilo que é a moral colectiva da sociedade portuguesa, até que ponto poderão ficar comprometidos valores de alteridade, de aceitação da diferença e de respeito pela unicidade de cada pessoa, virtudes tão defendidas para a prática dos educadores sociais, quando este agente social pretende induzir mudanças na vida do outro, mesmo que ele não as deseje? Ou até que ponto a Educação Social será uma actividade coerente se é definida em função do modelo de cidadania vigente, potencialmente volátil? Se em Portugal acontecer uma nova revolução social, política e ideológica (vários pensadores defendem hoje a necessidade de rupturas económicas e até sociais), deve a actividade sócio-educativa reformatar-se abdicando dos anteriores valores defendidos como nucleares para a sua prática? Até que ponto a Educação Social se autonomiza em relação aos governos nacionais ou se torna um seu instrumento?
O objectivo das abordagens anteriores é permitir-nos compreender que existe uma Educação Social que é anterior à prática profissional dos educadores sociais e daqueles que podem ser considerados como os seus antecessores mais directos. Com efeito, não são os educadores sociais a introduzir a Educação Social, nem a provocar a sua evolução em Portugal ou no mundo, mas assumem-se como especialistas dessa prática, numa lógica actual de crescente profissionalização e especialização do trabalho social e sócio-educativo. Aliás, considerando a integração dos educadores sociais na categoria dos trabalhadores sociais, a definição desta categoria deriva em parte da multidisciplinaridade que a abordagem das questões sociais tem pretendido e promovido. Sem dúvida, hoje podemos verificar a coexistência de diferentes profissões sociais, que contribuem para o sucesso

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da intervenção social com a riqueza própria das suas específicas competências e perspectivas profissionais. Centrando-nos novamente na evolução da profissão dos educadores sociais, existem alguns apontamentos históricos que nos indicam alguns factos que podem ter contribuído ainda que de uma forma indirecta, para a actual configuração profissional do educador social português. Podemos entender o século XX, especialmente a segunda metade, como um período de desenvolvimentos significativos. Não pelo facto de Portugal se integrar na centralidade do movimento da Pedagogia Social Crítica, que emerge no final da II Guerra Mundial especialmente nos países europeus que receberam o conflito no seu território e que no período pós-guerra sofrem de enormes problemas sociais, onde a orfandade e a delinquência juvenil se tornam numa dificuldade social bastante significativa e que carece de uma intervenção sócio-educativa gradualmente profissionalizada. Aliás, é neste período (1956) que é criada a AIEJI, hoje conhecida como Associação Internacional de Educadores Sociais, mas cujo acrónimo original representa a expressão Associação Internacional de Educadores de Jovens Inadaptados, o que significa exactamente que num período inicial preocupou-se especialmente em agregar educadores e organizações de educadores de crianças e jovens. Nesta categoria de inadaptado devemos considerar não só as populações com necessidades especiais, mas também todas as pessoas com dificuldades de integração e adaptação social, com manifestações de comportamentos desviantes em relação à normalidade social. Ao nível da análise do desenvolvimento da profissionalidade dos educadores sociais portugueses é útil e relevante considerarmos aquilo que tem sido a evolução das restantes profissões do trabalho social e também do próprio sistema educativo português. Neste sentido, podemos considerar alguns acontecimentos significativos como o início da formação de assistentes sociais pelo Instituto de Serviço Social de Lisboa, uma instituição privada, empreendida pelo Patriarcado de Lisboa e com o propósito da promoção do estudo e vulgarização do Serviço Social à luz da doutrina católica e da caridade cristã. Aliás, é nesta altura saliente o vinco ideológico e político da formação destas assistentes de serviço social com um perfil definido especificamente pelo Estado Novo. É relevante salientarmos alguns aspectos nesta introdução formativa à época: - a presença da Igreja Católica portuguesa na génese desta especialização, assumindo formalmente responsabilidades na preparação destes trabalhadores sociais, de acordo com uma tradição secular no acolhimento aos pobres e inválidos; - a consequente vinculação religiosa do trabalho social. Apesar de uma crescente laicização do trabalho social nas últimas décadas, neste período a intervenção social tem um significado religioso visível e conhece nesta abordagem uma forma de promoção dos valores e das práticas religiosas junto dos mais carentes;
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- o perfil ideológico centrado no Estado Novo assumido na formação e no desempenho das profissionais, revelando uma dualidade de propósitos políticos (de acordo com o Estado Novo) e vocacionais (de acordo com a influência católica), possível pela proximidade entre o Estado e a Igreja Católica nesta época; - o perfil feminino deliberado para esta profissão, num período em que a separação social dos géneros era comum, em que a aprendizagem de profissões e dos papéis sociais estava claramente diferenciado também em função dos géneros e em consonância com o que acontecia com outras profissões e práticas de suporte na educação e na saúde. Não podemos com isto assumir que a génese da formação das assistentes sociais determina o que é hoje a Educação Social, mas é certamente e como poderemos verificar adiante, um episódio de relevância considerável.
Neste seguimento, em 1939 o Governo português regulamenta sobre o funcionamento dos institutos destinados à formação de assistentes de serviço social, formalizando as condições de funcionamento, reconhecendo a importância dessa profissão e definindo critérios objectivos para a preparação dessas profissionais, defendendo a sua intervenção junto de fábricas, organizações profissionais e instituições de assistência, para além do trabalho junto das famílias "humildes e de restrita cultura, as mais facilmente influenciáveis, com objectivos higiénicos, morais e intelectuais"

19. Poderá existir já aqui a constatação da necessidade mais específica da intervenção de educadores sociais? O decreto-lei nº44159 define ainda o serviço social como uma abordagem que parte da iniciativa privada para a esfera oficial e que pertence à mulher portuguesa, clara e deliberadamente influenciada pelo cristianismo. Em 1956, o decreto-lei nº 40678 redefine a formação de trabalhadores sociais em Portugal, prevendo a coexistência de dois perfis diferenciados: as monitoras e assistentes familiares e as assistentes sociais. De acordo com o documento, as principais diferenças encontram-se ao nível de uma maior especialização na abordagem familiar que caracteriza as monitoras e assistentes familiares.
19 Decreto-lei nº30135 de 14 de Dezembro de 1939

Nesta conjuntura, num Portugal caracterizado pela ruralidade de cerca de metade da sua população, onde o sector primário assume um papel ainda determinante na economia nacional e onde a pobreza se evidencia nas pessoas do campo, numa perspectiva de desenvolvimento comunitário centrado no ambiente rural é criada pela Junta de Acção Social da Diocese de Leiria a Escola de Formação Social e Rural em Marrazes- Leiria, com o intuito imediato de introduzir a formação de Agentes de Educação Familiar Rural em 1956. Este movimento, também de origem religiosa, visa preparar profissionais para combater atrasos de civilização, baixos níveis de cultura e algum desequilíbrio social provocado pela
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ausência de competências básicas e essenciais ao aproveitamento das vantagens do progresso. Segundo argumentos da época, esta desvantagem social que caracteriza o meio rural e a vontade individual de Monsenhor José Galamba de Oliveira em desenvolver iniciativas sociais e educativas para os mais desprotegidos provocam o seu envolvimento na liderança deste projecto. Desenvolvimento semelhante conhece a Escola de Formação Social de Lamego onde também uma figura religiosa, Monsenhor Ilídio Fernandes, introduz em 1964 o Curso de Educação Familiar, com objectivos semelhantes e uma convergência de práticas com a sua congénere de Leiria. Esta articulação induz o entendimento de uma aproximação entre ambas as escolas, que hoje, na sequência da evolução das suas ofertas formativas formam educadores sociais com diploma de qualificação profissional de nível III. Apesar deste nível de formação e do perfil destes profissionais ter hoje uma representatividade pouco significante no colectivo dos educadores sociais portugueses, até pelo facto de muitos deles prosseguirem uma formação superior na área da Educação Social, é incontornável a sua importância para a compreensão da história e da evolução destes profissionais em Portugal. Porque a figura do Agente de Educação Familiar Rural é o antecessor directo do Educador social e também porque este profissional foi durante mais de quinze anos um técnico com competências e habilitações médias e não superiores, como hoje acontece. Importa por isso considerar alguns factores que estão na génese da figura profissional da Agente de Educação Familiar Rural:


Figura 2- Aspectos determinantes para o início de formação de Agentes de Educação Familiar Rural
A Educação Social em Portugal-
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É também interessante verificar a introdução, nas províncias ultramarinas em 1962 e numa época em que Portugal é um país colonizador, de institutos de educação e serviço social com o objectivo de preparar trabalhadores sociais para intervir especialmente junto das populações nativas. A Educação Social é entendida como potenciadora do desenvolvimento social e comunitário no contexto colonial. A própria reorganização dos serviços de saúde ultramarinos em 1945 previa a criação de institutos de serviço social e em Angola funciona no início da década de 60 um curso de emergência de acção social para agentes de trabalho social, agentes familiares e agentes de educação infantil com a duração de um ano lectivo. Mas nesta deliberação do Governo, que permite aos governadores das províncias ultramarinas a criação destes cursos, são identificadas cinco especializações nas quais se divide o serviço social: - Assistentes sociais; - Educadores sociais; - Educadores de infância; - Monitores familiares; - Monitores de infância. São ainda previstos outros perfis potenciais, considerando a maleabilidade e poder de adaptação do serviço social às condições do meio: - Agentes técnicos de sanidade; - Monitores de prevenção de acidentes de trabalho; - Visitadores sanitários; - Agentes de educação familiar rural. É relevante apontar ainda que para destes cursos eram previstos estudos teóricos e práticos, a realização de visitas de estudo e a elaboração de relatórios por parte dos alunos. A abordagem teórica incidiria sobre a vida física e suas perturbações, a vida social, mental e moral e também a técnica própria da profissão. A formação de educadores sociais teria a duração de dois anos (o curso de serviço social tinha uma duração de quatro), dividia-se em três especializações (educadores sociais de família, educadores sociais da juventude e educadores sociais em instituições) e conheceria a seguinte forma curricular:
A Educação Social em Portugal- Apontamentos para a compreensão do desenvolvimento de um conceito profissional Pág. 26 Conteúdos programáticos comuns às três especializações de educadores sociais
1º ano


2º ano


Moral geral

Moral e teologia familiar

Religião

Religião

Problemas sociais e relações humanas

Relações humanas

Pedagogia

Estudo das religiões e da cultura local

Psicologia geral

Técnicas do planeamento educativo

Educação sanitária

Técnicas de formação e recreio