sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Breve reflexão acerca da situação de desemprego, e a sua evolução em Portugal e Europa

Com o texto que se segue, pretende-se apresentar uma breve reflexão acerca da situação de desemprego, ao mesmo tempo que se apresentarão alguns dados até 2014 que merecem reflexão uma vez que esta situação afeta milhares de cidadãos.
O desemprego é um fenómeno que tem sofrido alterações ao longo de várias décadas, sobretudo na importância social que representa, apresentando diversas consequências e não apenas consequências económicas. É um conceito que tem vindo a sofrer transformações no que se refere ao seu conteúdo, forma e significado. Se em outra época estar desempregado não seria significado de exclusão social, atualmente será, certamente, visto e sentido como tal uma vez que a situação de desempregado não é simplesmente estar desocupado ou privado de emprego.
A situação de desemprego é entendida como um rótulo crucial para o prestígio de um indivíduo, assim como acaba por nos dizer bastante acerca da sociedade em que vivemos e do tipo de indivíduos que se encontram estigmatizados por essa situação (Grint, 2002). Representa, conforme referido por Marques (2009), o sinal mais visível da disfuncionalidade do mercado de trabalho assim como pode representar a rutura de trajetórias profissionais e de vida. Pode, no limite, representar o sinal mais visível de dissociação social, uma vez que a “rutura do laço social é o resultado de um encadeamento ou de uma combinação de acontecimentos” (Clavel, 2004: 163). Portanto, estar desempregado provoca uma situação de fragilidade que corresponderá à aprendizagem da desqualificação social, isto porque

“o desemprego, as desigualdades de inserção profissional, a perda brutal de um alojamento ou o facto de residir num bairro degradado e socialmente desqualificado constituem provações socialmente dolorosas.” (Paugam, 2003: p.15).

As pessoas que passam por este tipo de provação, sentem-se desclassificadas, numa situação socialmente inferior àquela que conheceram anteriormente. “O desemprego é vivido como uma experiência humilhante por aqueles que sempre exerceram um emprego estável.” (Paugam, 2003: 15) Surgem, cada vez mais, novos focos de tensão que têm origem nas novas desigualdades sociais, nos novos interesses definidos por novos movimentos sociais e por novos processos de exclusão social (Nunes, 2004). Portanto, as sociedades contemporâneas passam a apresentar novos riscos para a democracia e cidadania e não apenas ameaças irreversíveis ao ser vivo em geral. Esta nova descrição corresponde àquilo que os países ocidentais foram confrontados e que vulgarmente chamam de nova pobreza (idem).
Este fenómeno remete para evoluções que se deram em simultâneo, principalmente em relação à degradação do mercado de trabalho com a notável multiplicação de empregos cada vez mais instáveis e ao crescimento forte de desemprego, e em relação ao enfraquecimento dos laços sociais, cujos sintomas são o aumento das ruturas conjugais e o declínio das solidariedades de classe e de proximidade. Com a chegada de longa duração do desemprego, acompanhada por um afastamento da vida social, provocada pelas crises de identidade, problemas de saúde, entre outros exemplos, as pessoas sentem-se sem saídas e procuram, muitas vezes contra sua vontade, apoios da ação social para obter ajudas financeiras (Paugam, 2003). Neste sentido, acentuam-se as desigualdades sociais.
Como consequência, acontecem formas de exclusão social sentidas pela maior parte dos indivíduos desempregados, como “a parte que emerge do icebergue societal à deriva” (Clavel, 2004: 177). Para além destes factos, associado ao desemprego há, em muitos casos, o sentimento de fracasso quando o mesmo se dá por despedimento. Ou seja, passa a recair sobre o próprio indivíduo a responsabilidade pelo próprio sucesso no que se refere à sua integração no mercado de trabalho, assim como uma possível situação de desemprego. Parafraseando Bordieu, o indivíduo passa a ser apontado como “o único responsável pela sua desgraça” (Bordieu, 1998: 10).

Evolução do desemprego em Portugal e Europa  
Ao longo dos últimos anos, a taxa de desemprego tem vindo aumentar progressiva e significativamente. Nos últimos 20 anos, conforme se pode verificar na ilustração abaixo, Portugal passou de uma taxa de desemprego de 7,6%, em 1983, para uma taxa de 16,3%, em 2013.
Figura 1 – Evolução do Desemprego nos últimos 20 anos

Fonte: Pordata (2014)

De acordo com o relatório para o desemprego do Ministério das Finanças, Economia e Emprego e Ministério da Solidariedade e Segurança Social (2012), este aumento da taxa de desemprego está associado ao fraco crescimento económico e à desaceleração da produtividade, refletindo assim os desequilíbrios da nossa economia. Esta desaceleração da produtividade fez com que as empresas não possuíssem capacidade de absorver toda a mão-de-obra disponível, levando a despedimentos (Rajado, 2012). Aliado a isto, também houve uma deslocalização das empresas para outros países onde a mão-de obra é mais barata, como é o caso da China, também este processo implicou vários despedimentos, culminando mesmo no fim de laboração de várias empresas em Portugal (Rajado, 2012).
No que diz respeito ao grupo etário com taxa de desemprego mais elevada é percetível que esta se concentra nos jovens, uma vez que, de acordo com o INE (2014), no primeiro trimestre de 2014 o grupo etário dos 15 aos 24 anos concentra uma taxa de desemprego de 37,5%. É ainda de salientar que para o mesmo período de observação, primeiro trimestre de 2014, relativamente à escolaridade a taxa de desemprego é mais elevada em indivíduos com p 3º ciclo completo (17,9%). Importa ainda referir, que apesar de neste período de observação a taxa de desemprego em quem tem formação superior (10,8%) ser a menor taxa de desemprego por nível de escolaridade completo, esta taxa é bastante alta (INE, 2014).
Relativamente ao contexto Europeu, o crescimento do desemprego tem vindo a acentuar-se ao longo dos últimos anos, tendo registado entre 2011 e 2013 valores nunca antes atingidos, durante este período a Europa chegou a um nível recorde de 26,6 milhões de desempregados (Eurostat, 2014). Segundo dados recolhidos pelo Eurostat (2014), o crescimento da taxa de desemprego tem vindo a registar-se em praticamente todos os 28 Estados-Membros da União Europeia (UE-28), sendo a taxa de desemprego global para UE-28 em Abril de 2014 de 11,7%. Apesar disto é de notar que países como a Áustria e a Alemanha registam os valores, referentes à taxa de desemprego, mais baixos da UE-28, 4,9% e 5,2% respetivamente.
No que diz respeito às taxas de desemprego mais elevadas destacam-se países como Espanha, como uma taxa de 25,1%, e Grécia, com 26,1% (Eurostat, Abril de 2014). Estas elevadas taxas são também reflexo do atual contexto económico e financeiro destes estados membros.

Figura 2 – Taxa de Desemprego EU-28
Fonte: Eurostat (2014)


No que diz respeito a Portugal a taxa de desemprego em Abril de 2014 era de 14,6% (Eurostat,2014), uma taxa superior à média da UE-28, para o mesmo período de observação. Todavia, Portugal é um dos estados membros em que a taxa de desemprego mais baixou no último ano, tendo baixado de 17,3% (Março de 2013) para 14,8% (Março de 2014).
Relativamente ao desemprego jovem, no contexto Europeu, este é geralmente superior à taxa de desemprego para qualquer outra idade, tendo sido fortemente atingido pela crise económica que afetou a Europa. A taxa de desemprego jovem tem vindo a ascender nos últimos anos, atingindo valores máximos no ano de 2013, com uma taxa de 23,4% (ver figura 3). Isto é reflexo das atuais dificuldades que os jovens têm para conseguir emprego, no entanto é necessário ter também em conta que grande parte dos jovens, faixa etária dos 15 aos 24 anos, nestas idades se encontram a estudar a tempo integral (Eurostat, 2014).

Figura 3 – Desemprego jovem na Europa

Fonte: Eurostat (2014)

Também se torna importante analisar a taxa de desemprego por género, já que desde sempre as mulheres têm vindo a ser mais afetadas pelo desemprego do que os homens. Atualmente, a tendência tem vindo a manter-se, contudo as diferenças entre os valores das taxas de desemprego nos homens e nas mulheres são cada vez menores. É visível através do gráfico da figura 4 que a partir de 2000 a diferença entre a taxa de desemprego masculino e a taxa de desemprego feminina é cada vez menor, tendo até estado bastante próximas a partir de final de 2008. Verifica-se também que a partir de 2008 existiram períodos em que a taxa de desemprego feminina é inferior à taxa de desemprego masculina (a partir do segundo semestre de 2010).

Figura 4 – Desemprego por género na Europa

Fonte: Eurostat (2014)

Verifica-se então que apesar de nos últimos anos Portugal ter atravessado um aumento progressivo da taxa de desemprego, tendo atingido máximos históricos, a atual tendência é de diminuição desta mesma taxa. No entanto ressalva-se ainda o facto de esta taxa ser bastante alta e superior à taxa média de desemprego da UE-28. É ainda importante referir o facto da taxa de desemprego feminino na Europa e em Portugal ter vindo a diminuir ao longo dos últimos 5 anos e se ter vindo a aproximar da taxa de desemprego masculina.
Em forma de conclusão, gostaríamos de referir que o (des)semprego é uma construção social que se transforma e vai evoluindo ao longo da vida e mediante cada contexto. Como refere Sennett (2001) presenciamos a uma mudança constante da sociedade de mercado que nem todos conseguem acompanhar e por essa razão colocam-se constantemente em risco, muitas vezes em risco de ficar desempregado ou de se encontrar em condições precárias no próprio local de trabalho. Esta situação é sentida como uma necessidade por muitos e como uma obrigação por outros. Exemplo disso é a forma como muitos jovens, à procura do primeiro emprego e de experiência profissional para ingressar, com sucesso, no mercado de trabalho, aceitam as contratações precárias que lhes são oferecidas, vistas na maioria dos casos, como única alternativa em resposta à taxa de desemprego dessa geração (23,4% no ano de 2013). Acaba-se por se exigir a flexibilização e a aceitação por parte do trabalhador para correr riscos e se adaptar às constantes alterações que são inseridas no mercado de trabalho, independentemente de trazer, ou não, efeitos nefastos para o desenvolvimento da economia, sociedade e indivíduo. 


Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre (1998). “Hoje a precariedade está em toda a parte”, in Bourdieu, Pierre, Contrafogos, Oeiras: Celta Editora: 113-120.
CLAVEL, Gilbert (2004), A Sociedade de Exclusão, Compreendê-la para dela sair. Porto: Porto Editora.
GRINT, Keith, (2002), Sociologia do Trabalho. Lisboa: Instituto Piaget.
Ministério das Finanças, Ministério da Economia e Emprego, Ministério da Solidariedade e Segurança Social “A evolução recente do desemprego: Relatório” (2012) [online] Disponível em:
MARQUES, Ana Paula (2009). Trajetórias Quebradas, A vivência do desemprego de longa duração. Santa Maria da Feira: Edições Afrontamento.
NUNES, Maria Helena (2004). Agência do Assistente Social, regulação e rendimento mínimo garantido. Porto: Estratégias Criativas.
PAUGAM, Serge (2003). A Desqualificação Social, Ensaio sobre a nova pobreza, Porto: Porto Editora.
RAJADO, Paulo (2012) “O desemprego em Portugal: Uma análise ao nível dos concelhos entre 2001/2009”, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra [online] Disponível em: https://eg.sib.uc.pt/bitstream/10316/20103/1/O%20desemprego%20em%20Portugal.pdf [2013, maio 28].
RODRIGUES, Fernanda (1996). “Pobreza e Exclusão Social: Configurações e Perspectivas, a Intervenção e Formação dos Profissionais Sociais”, in Hoven, Rudy e Nunes, Maria Helena (Org) Desenvolvimento e Acção Local. Lisboa: Fim do Século.

Outras Referências Bibliográficas


CARVALHO, Helena M., Licenciada em Educação Social, Mestrada em Serviço Social, Doutoranda do curso de Sociologia, ramo da Pobreza e Exclusão Social, pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade do Minho.
SANTOS, Carla D., Licenciada em Sociologia, Mestrada em Economia Social, Doutoranda do curso de Sociologia, ramo do Trabalho e Organizações, pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade do Minho

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