Artigo no jornal Público do dia 7 de Abril de
2010, sobre as novas formas de organizar o espaço na sala de aula e as mudanças
de comportamento dos alunos.
O mobiliário de
madeira foi substituído por fórmica, os quadros tradicionais estão a dar lugar
a outros interactivos, mas, no essencial, a sala de aula é hoje igual ao que
era há 100 anos ou mais: um professor com uma mesa, junto a um quadro, de
frente para 20 ou 30 alunos, que estão sentados em carteiras alinhadas em
filas. Como não existem espaços neutros, há uma mensagem nesta forma de
organização - uma hierarquia vertical, em que o professor é o agente e os
estudantes o elemento passivo. Estão ali para ouvir, de preferência sentados
direitos.
Na prática, já há
muito que nada é assim: há quem deite as cadeiras para o chão, quem se levante
e passeie pela sala, acabando todos na rua com uma falta disciplinar, ou quem
se deixe ficar sentado, mas alheado. Há outras formas de viver a sala de aula,
mas, no essencial, esta transformou-se num pesadelo para os professores e numa
"seca" para os alunos. Entre os que chegam ao ensino superior,
"já são muito poucos aqueles que conseguem ser estimulados", constata
Diogo Teixeira, director do Instituto Superior Autónomo de Estudos Politécnicos
(IPA), em Lisboa. Terá que ser assim?
Diogo Teixeira, o
coreógrafo João Fiadeiro e o designer José Luís Azevedo estão convictos de que
é possível mudar este estado de coisas e que para tal não são precisos mais
meios do que aqueles que os professores e alunos já têm à mão. Basta querer
fazer. Esse é o desafio que estão a lançar aos docentes do ensino básico e
secundário. O primeiro passo aconteceu na segunda-feira, com o
workshopReinventar a sala de aula.
Foram enviados
convites às escolas da Grande Lisboa, onde se afirmava, entre outros
pressupostos, que a sala de aula, tal como está agora, "é um espaço
antinatural". Inscreveram-se 50 professores, participaram 30, que era a
lotação máxima. Fiadeiro e Azevedo são também professores, mas no ensino
superior. Com os docentes que estão antes deles não pretendem "discutir
conteúdos ou pedagogias", mas sim propor "novas abordagens à forma
como se pode lidar com o espaço de uma sala de aula", já que têm como
certo que intervir aqui é também mexer no modo como professores e alunos se
comportam e se relacionam.
Admitem que há uma
espécie de "clima de guerra" instalado nas escolas, mas não acreditam
que este se resolva com mais medidas disciplinares. Fiadeiro diz que esta é uma
resposta provocada pelo "medo".
José Luís Azevedo
chama a atenção para o facto de quase terem deixado de existir pontes entre
professores e alunos. Para as reconstruir, defendem ambos que os docentes têm
de envolver mais os estudantes na tomada de decisões, a começar, por exemplo,
pelo modo como se pode transformar uma sala de aula.
Coisas simples;
soluções móveis. Por exemplo, juntando as mesas de forma a organizá-las em
quadrados, ou num grande rectângulo, e sentando os alunos em volta. Esta não é
só uma disposição que favorece mais a participação e aproxima o professor, como
pode ser também uma forma de mudar comportamentos.
Azevedo chama a
atenção de que, com esta organização, sabota-se uma hierarquia
"clássica" entre os alunos: os mais barulhentos nos lugares de trás,
os mais disciplinados e atentos nos da frente. No Inverno, a proximidade dos
corpos ajuda também a tornar as salas menos frias. O sentimento de conforto é
um redutor de agressividade, lembra o designer, que sobe a uma cadeira e cola
um filtro amarelo por cima da luz de néon branca. O ambiente mudou. Mais
quente, mais acolhedor, mais calmo.
E por que não alargar
a participação, dando aos alunos que geralmente não vão ao quadro a
possibilidade de escreverem na parede que está mesmo por detrás deles? Basta
pintá-la com uma tinta, agora lançada no mercado, que transforma qualquer
parede num quadro de ardósia, onde se pode escrever a giz e apagar depois.
"A cantina da
nossa escola é tão deprimente. Se pedíssemos a um grupo de estudantes que a
transformasse, talvez conseguíssemos que muitos mais fossem lá almoçar",
diz a psicóloga de uma escola, que acrescenta logo de seguida: "Mas os
professores nem tempo têm para pensar."
João Fiadeiro fala de
"pensamento criativo". Para que uma acção resulte, é necessário
identificar quais são os constrangimentos de base, a "falta de tempo"
será um deles, mas não para baixar os braços. Ideias de partida: "Parar
para pensar"; encarar os problemas como "uma oportunidade"; recusar
o lamento habitual do "não há meios", já que "é sempre possível
trabalhar com aquilo que já se tem".
É o contraponto à
escola futurista apresentada de manhã por António Câmara, professor da
Universidade Nova de Lisboa e fundador da empresa YDreams. A realidade virtual
não pode ficar à porta da sala de aula, diz o inventor.
Os docentes têm
dificuldades com as novas tecnologias? Deixem que sejam os alunos a explicar
como este mundo, que é o deles, funciona, aconselha Azevedo. É preciso voltar a
"aprender, fazendo", conclui Diogo Teixeira.
Mas sobretudo, diz
também António Câmara, é preciso não esquecer que um professor pode ainda ser a
pessoa que tem o poder de mudar a vida de um jovem.
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